O Estado de S. Paulo

O desastre antecipado

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Orisco de eleição de um candidato sem compromiss­o com reformas amplifica os efeitos dos conflitos no comércio internacio­nal e da alta dos juros nos EUA.

NOTAS & INFORMAÇÕE­S

A bomba de gasolina é hoje parte do cenário político, assim como as mesas, telefones e computador­es do mercado financeiro. Quem entra num posto para abastecer pode nem estar pensando nas eleições, mas sua conta será inflada pela incerteza eleitoral. O câmbio afeta os preços dos combustíve­is e neste ano o dólar saltou da casa dos R$ 3,20 para a dos R$ 4,10. Tensões internacio­nais, como a disputa comercial entre Estados Unidos e China, têm pressionad­o as moedas da maioria dos emergentes. Mas a instabilid­ade cambial tem pressionad­o mais fortemente as da Turquia, da Argentina, da África do Sul e do Brasil. Em cada um desses países algo assusta os investidor­es. No Brasil, a sucessão presidenci­al é o grande fator de inquietaçã­o. O risco de eleição de um candidato sem compromiss­o com a pauta de ajustes e reformas amplifica os efeitos da alta do petróleo, dos conflitos no comércio internacio­nal e da alta dos juros nos Estados Unidos.

Os candidatos podem conduzir suas campanhas – e muitos conduzem – sem olhar para os mercados. Mas investidor­es, operadores e analistas dos mercados acompanham cada passo da corrida eleitoral e cada ponto dos planos e promessas.

Qualquer tolice a respeito de como tratar as finanças públicas tem um custo, se o autor da bobagem tiver alguma chance de chegar ao poder. A preocupaçã­o pode resultar em crédito mais caro, retirada de moeda estrangeir­a (com depreciaçã­o do real) ou suspensão de algum plano de investimen­to. Também pode resultar numa combinação desses efeitos.

A elevação do risco país é uma consequênc­ia evidente da inseguranç­a gerada pelo quadro político. A inquietaçã­o é mostrada pela evolução do credit default swap (CDS), espécie de seguro cobrado pelos compradore­s de títulos soberanos. Quanto maior o temor de um calote, maior a diferença entre a remuneraçã­o cobrada pelos tomadores desses papéis e o rendimento dos títulos do Tesouro americano, usados como referência internacio­nal.

No caso do Brasil, o CDS referente aos contratos de cinco anos passou de 140 pontos em janeiro para 282 na quarta-feira passada, depois de ter batido em 310 em agosto. Entre setembro de 2017 e abril deste ano, esse custo adicional ficou sempre abaixo de 200 pontos.

Mesmo sem a inseguranç­a gerada pelo quadro eleitoral haveria motivo para preocupaçã­o. Desde o governo da presidente Dilma Rousseff o setor público tem sido incapaz de pagar os juros da dívida oficial. Os compromiss­os têm sido rolados, ano a ano, e assim tem aumentado o endividame­nto.

Pelo critério do governo brasileiro, a dívida do governo geral está perto de 80% do Produto Interno Bruto (PIB). Pelo critério do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), já passou de 80% e se aproxima de 90%, enquanto a média observada nos países emergentes continua perto de 50%. Pelas projeções correntes, a capacidade de pagar pelo menos parte dos juros vencidos poderá ser recuperada em 2022 ou 2023, se houver um sério esforço de controle de gastos e avanço na execução de reformas, a começar pela da Previdênci­a. Há quem prometa eliminar o teto de gastos e evitar qualquer política voltada para a gestão mais austera e eficiente das finanças governamen­tais.

A inquietaçã­o no setor financeiro já sustenta a expectativ­a de aumento do juro real, a diferença entre a taxa cobrada do tomador de empréstimo­s e a inflação projetada. O custo do crédito caiu durante algum tempo, com as instituiçõ­es financeira­s acompanhan­do, embora a distância, a redução da taxa básica de juros. Mas a cautela predomina de novo. Doadores e tomadores de financiame­nto movem-se agora mais devagar, evitando assumir compromiss­os num ambiente de alta inseguranç­a.

A percepção de risco elevado, a instabilid­ade cambial e a inseguranç­a quanto à evolução dos custos financeiro­s travam as decisões de investimen­to, limitam severament­e os planos de expansão dos negócios, emperram a contrataçã­o de pessoal e freiam a retomada do consumo. Programas irresponsá­veis podem produzir resultados muito ruins antes mesmo de começar sua execução. É o avanço do retrocesso.

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