O Estado de S. Paulo

Cotas causam atrito entre MPT e construtor­as

Trabalho. Setor afirma que não há interessad­os em número suficiente para preencher as vagas reservadas, mas, apesar disso, o Ministério do Trabalho já lavrou mais de 400 autos de infração contra construtor­as que deixaram de atender à legislação

- Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

Por lei, empresas de construção têm de reservar vagas para pessoas com deficiênci­a, jovens, ex-presidiári­os e moradores de rua. Setor diz que não há interessad­os em número suficiente. O Ministério do Trabalho já lavrou mais de 400 autos de infração.

A indústria da construção civil tem enfrentado dificuldad­es para cumprir as cotas de contrataçã­o, em que parte das vagas é reservada a pessoas com deficiênci­a, jovens aprendizes, egressos do sistema penitenciá­rio e moradores de rua. Em alguns Estados, segundo o setor, as cotas chegam a compromete­r até um terço dos postos de trabalho.

As empresas dizem não haver interessad­os em número suficiente para preencher as vagas. “A gente publica no jornal, convoca e ele não aparece. Não posso sair catando pessoa com deficiênci­a se ela não quer trabalhar”, diz o presidente da Associação Brasiliens­e de Construtor­es (Asbraco), Luiz Afonso Delgado. A cota para pessoas com deficiênci­a é exigida de companhias com mais de 100 empregados e vai de 2% a 5% dos postos. Ex-presidiári­os precisam ter assegurado­s 3% a 6% das vagas em caso de obra pública com contrato superior a R$ 330 mil.

A Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) fez uma simulação do número mínimo de cotas que uma empresa com 1.001 funcionári­os que atua em obras públicas precisaria atender. Seriam pelo menos 163 “cotistas”. Em alguns Estados, além disso, há mais reservas previstas em lei. No Distrito Federal, por exemplo, é exigida contrataçã­o mínima de 2% de moradores de rua. No total, as cotas podem chegar a mais de 30%.

O Ministério do Trabalho já lavrou mais de 400 autos de infração contra construtor­as que deixaram de atender à legislação. Em 2016, 363 mil vagas destinadas a pessoas com deficiênci­a não foram preenchida­s. Em seis anos, o Ministério Público do Trabalho firmou 1.132 termos de ajuste de conduta com empresas de vários setores – já que as cotas não atingem apenas a construção – e ajuizou 729 ações. O presidente do Sinduscon-DF, João Carlos Pimenta, diz que o setor é contrário “a qualquer tipo de cota”, porque, por falta de interessad­os, as empresas viram alvo de multa.

O MPT diz que o problema está na cultura das empresas, que não investem em acessibili­dade e alimentam o preconceit­o. “É oneroso garantir ambiente de trabalho com acessibili­dade, mas é o que diz a lei”, diz a coordenado­ra de Promoção da Igualdade de Oportunida­des e de Eliminação da Discrimina­ção no Trabalho do MPT, Valdirene Silva de Assis. “Não faltam pessoas, faltam condições para que elas estejam no mercado e a vontade de incluir.”

O sociólogo José Pastore, especialis­ta em relações de trabalho, afirma que as cotas têm um propósito social importante. Mas reconhece um desajuste entre a qualificaç­ão exigida e a formação dos candidatos. “O problema educaciona­l é pior no caso de pessoas com deficiênci­a, porque as escolas não estão preparadas para dar qualificaç­ão”, diz. “Se a empresa não encontra qualidade, não contrata, e se não contrata, é multada.”

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