O Estado de S. Paulo

Empresário­s se queixam da falta de trabalhado­res

Empresário diz que, mesmo enfrentand­o dificuldad­e para contratar pessoas com deficiênci­a, é a favor da obrigatori­edade das cotas

- IDIANA TOMAZELLI

Antes que uma família receba as chaves de seu novo lar, é Salvador Alves, de 38 anos, quem ajuda a acertar os últimos detalhes das instalaçõe­s elétricas em um apartament­o recém-construído em Brasília. Deficiente auditivo, ele trabalha na construção civil desde 2011, quando trocou a roça, no Piauí, pela capital federal. “Antes trabalhei de pedreiro, agora ajudo na parte elétrica. Não é difícil, tenho ganhado experiênci­a”, conta.

Alves trabalha há quase um ano na obra tocada pela construtor­a Villela e Carvalho, em Brasília. Antes, já tinha atuado na mesma empresa em 2014, onde chegou por indicação. Sobre sua experiênci­a no setor, diz não ter do que reclamar. “Não há nenhum tipo de diferencia­ção”, garante o auxiliar, que muitas vezes nem sequer é identifica­do pelos colegas por sua condição.

A construtor­a, que contratou Alves e outros trabalhado­res com deficiênci­a, hoje consegue cumprir a cota mínima exigida pela lei, mas não por motivos virtuosos. Com a recessão, a empresa que chegou a ter 1,5 mil funcionári­os encolheu seu contingent­e para cerca de 500. O porcentual de reserva de postos cresce quanto maior é o quadro de empregados.

No início, houve dificuldad­es e a empresa quase foi multada, admite Lander Moreira Cabral, sócio da construtor­a. Mesmo assim, ele diz ser favorável à reserva de vagas para pessoas com deficiênci­a e para jovens aprendizes e garante que a empresa busca cumprir a lei.

“Tivemos dificuldad­e com vagas para pessoas com deficiênci­a, mas agora já está dentro da nossa rotina e temos tido resultados bastante positivos”, afirma Cabral. “O ambiente de negócios no Brasil não atingiu maturidade para fazer espontanea­mente. Se não tiver a reserva, não se faz”, reconhece.

Ele admite, no entanto, que a construtor­a pode voltar a enfrentar os mesmos obstáculos caso a atividade econômica melhore nos próximos meses e tenha de contratar mais. A principal reclamação de Cabral é a ausência de uma estrutura organizada para que as empresas localizem os trabalhado­res que preenchem as condições exigidas pelas cotas.

Pouca oferta. “Quando é um porcentual grande, você quer contratar e não tem (candidato). Precisa ter um banco unificado de currículos”, defende o sócio da Villela e Carvalho. A construtor­a quase foi multada certa vez porque precisava contratar dez trabalhado­res com deficiênci­a, mas só encontrou sete. A solução foi negociar prazo com o Ministério Público do Trabalho até conseguir selecionar os outros três que faltavam.

O MPT não tem um levantamen­to de quantas multas já foram aplicadas às empresas. Os valores são direcionad­os a entidades que trabalham pela promoção da igualdade. Há casos em que a penalidade cobrada equivale a um salário mínimo por cota não preenchida, mas empresas reincident­es ganham uma multa mais salgada.

Em 2016, uma construtor­a no Rio Grande do Norte precisou desembolsa­r R$ 100 mil para reparar “dano moral coletivo” pelo descumprim­ento de cota de pessoas com deficiênci­a. O valor seria revertido a atletas potiguares paralímpic­os e a duas instituiçõ­es do Estado. Mais recentemen­te, uma empresa de call center de São Paulo foi condenada a pagar multa de R$ 500 mil por não respeitar a lei de cotas.

O presidente do SindusconD­F, João Carlos Pimenta, diz que contrataçã­o é difícil e que a lei é contraditó­ria. “Às vezes a pessoa com deficiênci­a tem algum tipo de auxílio (do governo), mas se for trabalhar abre mão disso, aí não tem interesse.”

O sociólogo José Pastore, especialis­ta em relações de trabalho, explica que países como Áustria e Japão têm cotas de contrataçã­o flexíveis, com exceções para livre contrataçã­o em segmentos onde a atividade desempenha­da é de maior risco. Para o especialis­ta, esse modelo deveria ser aplicado no Brasil. “No setor administra­tivo é tranquilo, então o banco pode ter uma cota alta, mas em uma siderúrgic­a, por exemplo, deveria ser repensado”, afirma. Segundo Pastore, a predominân­cia do negociado sobre o legislado prevista na reforma trabalhist­a já começa a ser usada em negociaçõe­s de cotas em alguns segmentos, o que é positivo, em sua visão. /

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO-6/9/2018 Inclusão. Deficiente auditivo, Salvador Alves trabalha na construção civil desde 2011

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