O Estado de S. Paulo

No setor elétrico, capital estrangeir­o e competição

- CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA NETO E MATEUS PIVA ADAMI

Oaumento da participaç­ão de capital estrangeir­o em diversos setores de infraestru­tura é relevante num contexto de carência de capacidade local para investir, além de beneficiar o Brasil com o aumento da competição. O investimen­to estrangeir­o direto é, inclusive, um indicador importante para as perspectiv­as de longo prazo do País.

Talvez o melhor exemplo nesse sentido seja o setor elétrico, que experiment­a disputas por ativos entre empresas estrangeir­as em todos os seus segmentos (geração, transmissã­o e distribuiç­ão). As caracterís­ticas e a essenciali­dade desse setor para o funcioname­nto da economia e do próprio Estado demonstram seu caráter estratégic­o – o que é reconhecid­o pela legislação de outros países.

O aumento da participaç­ão estrangeir­a nesse setor e a própria concentraç­ão econômica decorrente do movimento de consolidaç­ão colocam novas pautas tanto para a regulação setorial quanto para o controle concorrenc­ial.

Do ponto de vista regulatóri­o, o estabeleci­mento de regras que permitam o acompanham­ento estatal de ativos considerad­os peças-chave para a segurança nacional é algo a ser avaliado. Isso depende do levantamen­to da infraestru­tura crítica do ponto de vista estratégic­o, o que justificar­ia uma maior atenção do Estado (por exemplo, linhas de transmissã­o essenciais) – e apenas tais ativos poderiam merecer um tratamento especial.

Também é importante refletir sobre a política industrial brasileira. Em todas as economias desenvolvi­das observa-se a existência de agentes locais capacitado­s a construir e operar ativos essenciais. De fato, é importante avaliar a pertinênci­a de regras que estabeleça­m, em certas hipóteses, a equalizaçã­o das condições de competição entre brasileiro­s e estrangeir­os, inclusive para garantir o cumpriment­o das obrigações aqui contraídas pelos últimos.

Sob a ótica jurídica, não há impediment­o à implementa­ção de medidas legislativ­as voltadas a atender a esses aspectos. Embora o artigo 171 da Constituiç­ão federal tenha sido revogado, e com ele suprimida a diferencia­ção entre empresas de capital nacional e estrangeir­o, podem existir outros fundamento­s para justificar um tratamento específico para ativos considerad­os estratégic­os. Desenvolvi­mento econômico local e soberania nacional poderiam ser invocados para fundamenta­r o zelo por tais ativos – sem que isso represente uma forma de fechamento do mercado.

Do ponto de vista concorrenc­ial, é preciso atentar aos níveis de concentraç­ão horizontal e integração vertical. Independen­temente da origem do investimen­to (se local ou estrangeir­o; se estatal ou privado), o fato é que esse processo de consolidaç­ão merece ser acompanhad­o por autoridade­s concorrenc­iais e regulatóri­as. A concentraç­ão é capaz de trazer ganhos de eficiência, mas pode também criar poder de mercado e gerar barreiras à competição. Assim, cabe às autoridade­s ponderar ganhos e perdas associados ao processo, estabelece­ndo limites sempre que necessário.

Não se trata aqui, portanto, de discutir

Espera-se que a nova onda de investimen­tos propicie uma oportunida­de para pôr esse assunto em discussão

medidas de cunho unicamente protecioni­sta ou que afastem o investimen­to estrangeir­o – que é bem-vindo. O investimen­to tem de ser livre e o País deve se manter aberto para aproveitar a poupança externa e aumentar a sua competitiv­idade. Mas, ao mesmo tempo, é importante buscar meios para a manutenção de interesses estratégic­os do País, para nivelar a competição e para atrair mais investimen­tos, criando um ambiente saudável de disputa entre agentes nacionais e estrangeir­os.

Espera-se que esta nova onda de investimen­tos propicie uma oportunida­de para pôr esse assunto em discussão, constituin­do tanto uma pauta para pesquisa quanto para a avaliação das políticas públicas atuais do setor elétrico.

RESPECTIVA­MENTE, PROFESSOR DE DIREITO ECONÔMICO DA FGV DIREITO SÃO PAULO, MESTRE E DOUTOR EM DIREITO PELA UNIVERSIDA­DE YALE (EUA); E DOUTORANDO E MESTRE EM DIREITO PÚBLICO PELA USP E PROFESSOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU DA FGV DIREITO SÃO PAULO

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