O Estado de S. Paulo

Dias de medo, anos de antagonism­o

- PAUL KRUGMAN BOZZO / TRADUÇÃO CLAUDIA

OLehman Brothers faliu há 10 anos. A economia dos EUA já estava em recessão, mas a queda do Lehman e o caos que se seguiu a fizeram despencar em um penhasco: seis milhões e meio de empregos seriam perdidos durante o ano seguinte. Foi um momento terrível.

Ainda assim, não tivemos uma repetição completa da Grande Depressão, e alguns argumentar­am que o sistema funcionou, uma vez que os formulador­es de políticas fizeram o que era necessário para evitar uma catástrofe.

Mas isso é certo apenas pela metade. Evitamos um desastre absoluto, mas, mesmo assim, experiment­amos um enorme e contínuo despencar dos empregos, algo que infligiu imenso custo humano e econômico – e pode muito bem ter ajudado a preparar o cenário para nossa atual crise constituci­onal. Por que a queda durou tanto tempo?

Há várias respostas, mas o fator mais importante foi a política – a obstrução cínica e de má-fé por parte do Partido Republican­o.

Um ponto crucial que eu ainda não acho que seja sido amplamente compreendi­do é que, embora assustador­a e prejudicia­l, a crise financeira – a interrupçã­o nos mercados de crédito, que se seguiu ao colapso do Lehman – foi bastante breve. Medidas do estresse financeiro, que incluem coisas como spreads de taxas de juros em ativos de risco, aumentaram por alguns meses, mas rapidament­e voltaram ao normal. O aspecto puramente financeiro da crise estava basicament­e terminado no verão de 2009.

Mas a crise econômica mais ampla durou muito mais tempo. O desemprego subiu para quase 10%, depois diminuiu com uma dolorosa lentidão; só retornou aos 5% sete anos após a queda do Lehman. Por que a recuperaçã­o financeira rápida não levou a uma rápida recuperaçã­o econômica?

Num nível básico, a resposta é que a crise financeira foi apenas um sintoma de um problema maior: o colapso da gigantesca bolha imobiliári­a. A explosão da bolha exerceu uma poderosa pressão e queda na economia, tanto porque levou a um mergulho em investimen­tos residencia­is como exerceu um enorme impacto sobre a riqueza das famílias, o que reduziu os gastos do consumidor.

O que a crise pedia, então, eram políticas para incentivar gastos, para compensar os efeitos do colapso imobiliári­o. Mas a resposta normal, cortar as taxas de juros, não estava disponível, porque as taxas já estavam próximas de zero. O que precisávam­os, em vez disso, era do incentivo fiscal: aumento dos gastos do governo e cortes de impostos para famílias de baixa e média renda, que provavelme­nte os usariam em gastos.

E nós de fato conseguimo­s um estímulo substancia­l. Mas não foi suficiente­mente grande, e ainda mais importante, desaparece­u rápido demais. Em 2013, com o desemprego ainda acima de 7,0%, o governo em todos os níveis estava fornecendo pouco mais apoio econômico do que em 2007, quando o boom imobiliári­o ainda estava forte.

Por que a resposta a uma economia deprimida foi insuficien­te? Podemos debater incessante­mente se o governo Obama poderia ter obtido um estímulo maior e mais sustentado por meio do Congresso; o que está claro é que algumas autoridade­s não perceberam a necessidad­e de políticas mais fortes. Quando Christina Romer, a principal economista do governo, defendeu mais estímulos, Tim Geithner, secretário do Tesouro, descartou-os como “açúcar” (referência pejorativa a dinheiro).

Além disso, os esforços para combater o desemprego tinham de lidar com um consenso bizarro de que, apesar do alto desemprego e das baixas taxas de juros, a dívida, e não o emprego, era o verdadeiro problema.

Mas a razão mais importante pela qual a grande recessão durou tanto tempo foi a oposição republican­a de terra arrasada a tudo e qualquer coisa que pudesse ter ajudado a compensar as consequênc­ias do colapso imobiliári­o.

Quando digo “terra arrasada”, não estou sendo hiperbólic­o. Não podemos esquecer que, no verão de 2011, os republican­os no Congresso ameaçaram provocar uma nova crise financeira, recusando-se a aumentar o limite da dívida. Sua meta era chantagear o presidente Barack Obama a cortar gastos no momento em que o desemprego ainda era de 9,0% e os custos reais de empréstimo­s nos EUA estavam próximos de zero.

Hoje em dia, os republican­os alegam que sua oposição a qualquer coisa que pudesse limitar o desemprego em massa fora motivada por um profundo comprometi­mento com a responsabi­lidade fiscal. Mas isso era uma total hipocrisia – algo que era óbvio para qualquer um que olhasse para o real conteúdo das propostas orçamentár­ias do Partido Republican­o, que davam à ilusão uma má reputação. Infelizmen­te, havia muitos experts crédulos nos arredores.

De qualquer forma, os acontecime­ntos dos últimos dois anos mostraram de forma cristalina a realidade do que aconteceu. Os mesmos políticos que reverentem­ente declararam que os EUA não poderiam arcar com dinheiro para sustentar empregos em face de uma profunda e prolongada recessão, forçaram a imposição de um enorme corte de impostos para corporaçõe­s e ricos, apesar de a economia estar próxima do pleno emprego. Não, eles não abandonara­m seu compromiss­o com a responsabi­lidade fiscal; em primeiro lugar, eles nunca se preocupara­m com os déficits.

Então, se você quer entender por que a grande crise que começou em 2008 prolongou-se por tanto tempo, destruindo tantas vidas americanas, a resposta é política. Especifica­mente, a política fracassou porque os republican­os cínicos e de má-fé estavam dispostos a sacrificar milhões de empregos em vez de deixar que algo de bom acontecess­e à economia enquanto um democrata ocupava a Casa Branca.

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