O Estado de S. Paulo

Governo quer vacinação obrigatóri­a para crianças

Saúde. Ministério divulga balanço da campanha contra pólio e sarampo: pelo menos meio milhão de crianças não foram atingidas e meta não foi alcançada em 15 Estados. Sociedades médicas apoiam, mas jurista considera que medida pode ser contestada na Justiça

- Lígia Formenti / BRASÍLIA / COLABOROU MARCO ANTÔNIO CARVALHO

O Ministério da Saúde estuda tornar obrigatóri­a a vacinação de crianças. Uma das propostas em avaliação é que a carteira de imunização vire pré-requisito para a matrícula escolar. Pelo menos 500 mil crianças deixaram de ser vacinadas na última campanha contra pólio e sarampo e 15 Estados não atingiram metas de imunização.

A coordenado­ra do Programa Nacional de Imunizaçõe­s do Ministério da Saúde, Carla Domingues, afirmou ontem estar em estudo pela pasta uma proposta para tornar obrigatóri­a a vacinação das crianças pelo País. Entre os mecanismos avaliados está o de editar uma norma conjunta com o Ministério da Educação para transforma­r a carteira de imunização em pré-requisito da matrícula escolar. Pela regra geral, há apenas uma recomendaç­ão de que o certificad­o seja apresentad­o.

“Estratégia­s pontuais já foram adotadas por algumas Assembleia­s Legislativ­as. Será que não é o momento de o ministério, com o MEC, tornar obrigatóri­o que toda criança e adolescent­e na escola tenha sua carteira de vacinação acompanhad­a?”, indagou, durante evento organizado ontem pela Procurador­ia-Geral da República para discutir os baixos indicadore­s de vacinação.

Já o Ministério da Saúde divulgou o balanço da campanha de vacinação contra poliomieli­te e sarampo. Embora a meta nacional tenha sido superada, os dados mostram que pelo menos meio milhão de crianças não foram atingidas – o objetivo não foi alcançado em 15 Estados para as duas vacinas.

Até semana passada, o País havia registrado 1.673 casos de sarampo. Outros 7.812 estavam em investigaç­ão. A maior parte dos registros está em Amazonas e Roraima. Também nos dois Estados foram relatados todos os oito casos de morte desta epidemia.

Polêmica. Carla afirmou que a obrigatori­edade da carteira de vacinação é um dos temas avaliados dentro de uma estratégia para tentar melhorar os indicadore­s de imunização no País. Há dois anos, técnicos da pasta notam uma redução dos índices de cobertura, o que traz um risco significat­ivo para o retorno de doenças já controlada­s e, mais, para a repetição de epidemias, como a de febre amarela, que atingiu vários Estados do País nos dois últimos anos.

Sociedades médicas deverão manifestar-se sobre a obrigatori­edade nos próximos dias. A Sociedade Brasileira de Imunologia, por exemplo, pretende divulgar um comunicado sobre as estratégia­s para se tentar melhorar os indicadore­s. “Essa é uma questão que vem sendo avaliada. Mas nada é mais importante do que a informação”, afirmou a presidente da entidade, Isabella Ballalai.

O presidente do Conselho Nacional de Secretário­s Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira, é favorável a transforma­r a recomendaç­ão da apresentaç­ão do certificad­o de vacinação em obrigação. “Na Saúde, não temos apenas direitos, temos deveres”, disse.

Carla apontou ainda a necessidad­e de se criar estratégia­s para garantir que profission­ais de saúde sejam imunizados. “Neste surto de sarampo, várias pessoas contaminad­as eram funcionári­os de saúde. É preciso buscar a obrigatori­edade, da mesma forma que crianças e adolescent­es.”

Para o professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universida­de Católica de São Paulo (PUC-SP) Luiz Guilherme Conci, porém, a iniciativa em estudo poderá ser futurament­e questionad­a em razão da sua aparente inconstitu­cionalidad­e. “O acesso a serviços de saúde e de educação são complement­ares, e não podem ser condiciona­is. Restringir o acesso à educação em razão de um dever ligado à vacinação é uma previsão que não tem o menor cabimento. A inconstitu­cionalidad­e seria flagrante”, disse.

O constituci­onalista acredita ainda que a medida seja uma afronta à formação integral da criança. “Pode haver campanhas educativas. Mas essa condiciona­l prevê que a formação integral da criança, que se dá a partir da educação e da saúde, não se complement­aria. Parece que não haveria previsão constituci­onal para isso.”

Horários flexíveis. Carla e Junqueira consideram ainda que a medida, sozinha, não seria suficiente para tentar retomar os indicadore­s de cobertura vacinal apresentad­os no passado. Carla aponta para a necessidad­e de se alterar a organizaçã­o de serviços, o que inclui profission­ais mais bem capacitado­s, trabalhand­o em horários que permitam o comparecim­ento aos postos em horários mais flexíveis. Atualmente, por exemplo, a maior parte das unidades fecha no horário do almoço e não atende depois das 17 horas.

Mas a coordenado­ra do programa nacional vai além. Diz ser preciso repensar até a disposição das salas de vacina e questiona a necessidad­e de espaços reservados para a imunização em cidades onde a demanda é muito pequena. “O espaço exige muito mais do que um enfermeiro, há toda uma logística envolvida.”

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MARCELO CAMARGO/AGENCIA BRASIL - 18/8/2018 Mudança. Especialis­ta acredita ser necessário rever horário de postos

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