O Estado de S. Paulo

A normalidad­e necessária

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OBrasil precisa desesperad­amente de normalidad­e. A história recente mostra um país capaz de ir da euforia à depressão em um curtíssimo intervalo de tempo, sem que seja possível avaliar se a euforia tinha justificat­iva real e se a depressão faz mesmo algum sentido.

O atentado contra o deputado Jair Bolsonaro (PSL) foi o mais recente episódio dessa gangorra emocional, que impede os brasileiro­s de ver com clareza seu presente e de planejar seu futuro. Felizmente, o mundo político reafirmou sua fé na democracia e sua rejeição à violência, mas a sensação geral é de perplexida­de e apreensão. Não se sabe o que mais poderá vir em seguida – e tal sensação de incerteza é muito prejudicia­l para um país que deve se reorganiza­r política e economicam­ente para voltar a crescer.

Não se chega a tal confusão à toa. Depois do Plano Real, que conferiu estabilida­de à economia após décadas de descontrol­e fiscal e de irresponsa­bilidade administra­tiva, parecia que o País havia finalmente aprendido a lição e se apegado a compromiss­os de segurança e previsibil­idade para investidor­es e contribuin­tes. Tanto isso é verdade que, para conseguir se eleger pela primeira vez, em 2002, o petista Lula da Silva teve que se compromete­r por escrito a manter esses fundamento­s econômicos, abandonand­o a agenda histórica do PT de intervenci­onismo estatal e populismo perdulário. Foi isso o que garantiu o relativo sucesso do primeiro mandato de Lula.

Já no segundo mandato, porém, o genoma petista falou mais alto, e em pouco tempo Lula e sua sucessora, a desastrosa Dilma Rousseff, restabelec­eram a imprudênci­a como eixo do governo – tudo isso, é claro, com o objetivo de manter o PT no poder.

Uma combinação de cenário externo favorável ao Brasil com uma política econômica de incentivos bilionário­s ao consumo e a empresas amigas do governo rendeu frutos – o País sofreu relativame­nte pouco com a crise de 2008 e ainda cresceu 7,5% em 2010, com praticamen­te pleno-emprego e aumento anual médio de 5% reais na renda do trabalhado­r.

Ao mesmo tempo, o Brasil havia sido escolhido como sede da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, feitos que instilaram orgulho em grande parte dos brasileiro­s. Era o país que “decolava”, conforme avaliação da revista The

Economist em 2009, que considerav­a notáveis também o investimen­to da Petrobrás no pré-sal e a expansão internacio­nal de empresas brasileira­s.

Assim, o Brasil parecia fadado ao sucesso e à prosperida­de – e o carismátic­o Lula, vinculado a tudo isso, deixou o governo com aprovação de quase 90%, coerente com o arrebatame­nto nacional e suficiente para fazer uma completa desconheci­da como sua sucessora.

Mas então, como nas montanhas-russas, o carrinho brasileiro, após atingir o ponto mais alto, começou sua irresistív­el descida. Retiradas as condições externas favoráveis, a política econômica demagógica e inconseque­nte do lulopetism­o cobrou sua conta, na forma de desemprego, inflação e brutal recessão. Dilma Rousseff ainda conseguiu se reeleger, graças a uma campanha de desinforma­ção destinada a esconder o real estado das contas nacionais, mas logo em seguida, quando o País se deu conta do engodo, deflagrou-se o processo de impeachmen­t, quase natural ante o desastre dilmista.

Ao mesmo tempo, o País se chocou com a dimensão da corrupção revelada pela Lava Jato, mas muitos brasileiro­s acabaram induzidos a pensar que a política estava irremediav­elmente suja – o que ajudou a alimentar o discurso extremista e apocalípti­co, fundamenta­l para envenenar ainda mais o humor dos cidadãos, a ponto de muitos verem no incêndio do Museu Nacional uma metáfora do Brasil atual.

A história mostra que tal estado de espírito não costuma ser bom conselheir­o. Não é o caso de dizer que o Brasil está a cometer “suicídio”, como exagerou recentemen­te o jornal Le

Monde em editorial, mas é inegável que o País precisa recobrar o quanto antes a razão e a normalidad­e, condições essenciais para o pleno funcioname­nto da democracia e para o desenvolvi­mento econômico.

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