O Estado de S. Paulo

Petista beijou o anel de ex-presidente e virou um político velho

- Alberto Bombig

Quem sonhava que Fernando Haddad iria conduzir a esquerda brasileira a novos tempos e a novos padrões políticos deve estar, no mínimo, constrangi­do com o início da campanha eleitoral dele. Como pagamento por ter sido sagrado candidato a presidente na vaga de Lula, o moço da ciclovia abandonou o apelido de que tanto se orgulhava reservadam­ente, o de ser o “mais tucano dos petistas” (porque tirava dele a pecha de radical), e passou a comungar em público de todos os dogmas do PT.

Em privado, Haddad gostava de celebrar sua amizade com Fernando Henrique Cardoso e com Geraldo Alckmin, que o livrou de apanhar ainda mais durante a rebelião das ruas em 2013. Naquele tempo, então no cargo de prefeito de São Paulo, Haddad também cultivava, sempre reservadam­ente, uma distância crítica da então presidente Dilma Rousseff e do governo dela. Mas eis que agora nos deparamos com um Haddad diferente daquele que, nos meios acadêmicos e nas pizzarias dos Jardins (bairro nobre de São Paulo), mantinha o tal distanciam­ento crítico em relação às práticas pouco ortodoxas do PT e se gabava de liderar a nova esquerda brasileira, “imaterial”, preocupada não apenas com a luta de classes, mas também com a mobilidade urbana, com a questão de gênero e com o ambientali­smo. Era um político jovem, moderno diziam seus fãs. Agora, desde que virou candidato a presidente, após ter beijado o anel de Lula, Haddad tem se rebaixado ao que há de pior no petismo: a recusa (patológica) em admitir erros, o populismo, a construção de narrativas fantasiosa­s e a velha tática do nós contra eles. Nessa toada, não hesitou em subverter o que disse Tasso Jereissati (PSDB) ao Estado. Usou a autocrític­a e a clareza do tucano cearense para mascarar as mancadas de Dilma e do PT. Para a militância petista, isto não tem a menor importânci­a, pelo contrário, os que tinham alguma restrição a Haddad na igreja do PT agora deverão passar a venerá-lo. Porém, para uma candidatur­a que tem o desafio de ampliar apoios num eventual segundo turno, provavelme­nte contra Jair Bolsonaro (PSL), e diminuir a rejeição ao campo antipetist­a, essa inflexão radical pode ser desastrosa. Sem falar no compromiss­o com a democracia e com outros valores essenciais, como a verdade. O moço da ciclovia envelheceu 20 anos em uma semana de campanha. Virou um político velho, fazendo uma política velha, sem autocrític­a nem transparên­cia, desperdiça­ndo a chance de se contrapor de verdade às propostas radicais e ao populismo com sinal trocado de Bolsonaro.

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