O Estado de S. Paulo

Dimensões da política fiscal (3)

- BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Neste terceiro artigo, de uma série de cinco, o tema é a dimensão distributi­va da política fiscal. Como em todas as demais questões relacionad­as às finanças públicas, ao avaliar o impacto distributi­vo da atuação do governo, temos de considerar simultanea­mente as despesas e as receitas públicas. Ou seja, a questão a ser considerad­a é: quem se beneficia dos gastos do governo e quem paga a conta?

Há vários estudos que buscam avaliar o impacto distributi­vo da política fiscal. No geral, tais estudos buscam identifica­r o perfil de renda das famílias oneradas pela tributação e beneficiad­as pelas políticas públicas.

Como era de esperar, as despesas com educação e saúde públicas têm um impacto claramente progressiv­o, ou seja, beneficiam muito mais as famílias de menor renda que aquelas de alta renda. O mesmo ocorre no caso de programas de transferên­cia de renda focados na população mais pobre, como é o caso do Bolsa Família.

Já o impacto distributi­vo das despesas públicas com previdênci­a é, no agregado, relativame­nte neutro – ou seja, altera pouco a distribuiç­ão da renda existente antes do pagamento dos benefícios. Mas há uma grande diferença entre a previdênci­a do setor privado (RGPS), que é modestamen­te progressiv­a, e a previdênci­a dos servidores públicos (RPPS), que é fortemente regressiva, benefician­do de forma desproporc­ional a parcela mais rica da população. Esse dado apenas reforça a importânci­a da convergênc­ia dos critérios de concessão de benefícios do RPPS para aqueles do RGPS.

Mas o tema que costuma atrair mais atenção é o impacto distributi­vo dos tributos brasileiro­s. Há vários estudos que comparam a tributação por faixa de renda, estimando o custo dos tributos indiretos sobre o consumo – com base na porcentage­m da renda consumida – e somando uma estimativa do custo dos tributos diretos sobre renda e patrimônio. Muitos estudos concluem que a tributação no Brasil é regressiva, onerando mais a renda dos pobres que a dos ricos, uma vez que baseada dominantem­ente em tributos indiretos e pouco em tributos diretos.

Estes resultados estão distorcido­s, no entanto, por uma falha metodológi­ca, decorrente do fato de que o consumo declarado pelas famílias de baixa renda é superior à sua renda (com a diferença chegando a 30% no primeiro decil), o que é uma impossibil­idade lógica. Corrigindo essa deficiênci­a metodológi­ca, verifica-se que a tributação é essencialm­ente constante por faixa de renda, o que ainda assim é um resultado muito ruim, pois num país com o grau de desigualda­de do Brasil a tributação deveria ser claramente progressiv­a.

É preciso ter cuidado, no entanto, com a forma de solucionar este problema. Muitas vezes, medidas que focam apenas na tributação não são as mais eficientes. Este é o caso, por exemplo, da desoneraçã­o da cesta básica, medida que em termos relativos favorece mais os pobres, mas que, em termos absolutos, favorece mais os ricos, que consomem mais alimentos. Do ponto de vista distributi­vo, é muito mais eficiente cobrar o tributo sobre os alimentos e ampliar a transferên­cia de renda para os pobres.

Num país com o grau de desigualda­de do Brasil a tributação deveria ser claramente progressiv­a

Outro erro comum é propor a elevação das alíquotas marginais do Imposto de Renda das pessoas físicas (IRPF). No caso do Brasil, antes de elevar a alíquota do IRPF, seria necessário fazer com que pessoas de alta renda que hoje pagam pouco imposto – como profission­ais liberais que recebem como sócios de empresas do lucro presumido ou do Simples – passassem a recolher imposto equivalent­e ao de empregados de mesma renda. Apenas elevar as alíquotas do IRPF prejudicar­ia aqueles que já pagam o imposto e não afetaria aqueles que não pagam.

Em suma, há um amplo espaço para ampliar a progressiv­idade da política fiscal brasileira. Mas é necessário considerar simultanea­mente a tributação e o gasto. Sobretudo, é preciso tomar cuidado com soluções fáceis, que, além de ineficient­es, podem amplificar distorções existentes.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil