O Estado de S. Paulo

Tudo pelo Wi-Fi

Você prefere curtir o destino ou checar as redes?

- GILBERTO AMENDOLA

Mãos trêmulas, suor escorrendo pela testa, coração acelerado, boca seca, calafrios... Esses são os sintomas clássicos de quem está na fissura, precisando urgentemen­te de uma dose de Wi-Fi gratuito.

Você está andando sozinho pelas ruas de uma cidade estrangeir­a, lamentando não ter comprado um chip qualquer ou investido uma pequena fortuna no plano de roaming internacio­nal da sua operadora.

Você vai pirar, você vai começar a se contorcer de ansiedade, você já está vendo a luz do outro lado do túnel!

Pior, no mundo dos mortos toda a rede é protegida e você não sabe senha nenhuma. Senha nenhuma!

Mas eis que ela surge tal qual uma esperança: a multinacio­nal do café!

E você vai ultrapassa­r a porta de vidro do estabeleci­mento como quem recebeu uma segunda chance nesta vida.

Mano, você pagou caro em uma passagem aérea e ainda nem fez o “lerê” básico do turistão. O sol nasce diferente nesse hemisfério, mas você ainda prefere a luz brilhante do seu smartphone.

Bate aquela necessidad­e de conferir o “Face”, de postar uma coisinha no “Insta”, de dar um oi para os amigos, inteirar-se do noticiário ou visualizar o último meme sem graça que algum parente distante enviou.

Mano, de novo, você cruzou um oceano inteiro. O dólar ascendeu aos céus feito o padre dos balões e você vai gastar tudo em cappuccino aguado.

Então você preenche o formulário que vai te levar ao paraíso da conectivid­ade. Além disso, começa a sentir o cheiro do café e se sentir confortáve­l com o ar condiciona­do. Você arruma um lugarzinho no sofá e vai ficando, ficando...

Você cai no sono e dorme ali mesmo – no sofá da rede multinacio­nal de café.

E você sonha com centenas de pessoas entrando e saindo do café. Uma dessas pessoas é você. Sim, você no colo da sua mãe. Um bebê chorão embrulhado em trapos coloridos. Depois, você vê uma criança correndo entre os clientes e quase batendo a cabeça na quina de uma das mesas. Essa criança também é você. No outro canto do salão, um jovem casal se beija – e você é o carinha beijando a menina. Um homem reclama do troco errado. Ele diz que está atrasado e não tem tempo a perder. O homem reclamão é você também.

Você acorda assustado. Olha o relógio do celular e percebe que já é tarde. Antes de se levantar, percebe que, ao seu lado, um velho de barbas brancas está olhando o celular e esperando uma mensagem de WhatsApp do além.

Esse homem velho não é você. Ainda. Você sai correndo da multinacio­nal do café. Atravessa a rua e acena, desajeitad­amente, para um ônibus vermelho de turismo, um hop on/hop off. Desses que são ridículos, cafonas e sempre representa­ram aquele tipo de turista que você não quis ser.

Mas você sobe nesse ônibus, senta-se no último andar e, com o vento no rosto, chora ao passar por um monumento, por um palácio, por uma ponte, por uma casa, por uma rua, por gente de verdade entrando e saindo de redes multinacio­nais de café. Você lembra que o ônibus oferece Wi-Fi gratuito. Tira o celular do bolso e percebe que a bateria está por um triz. Acende a lanterna do celular sem nenhuma necessidad­e até que a tela se apague. A bateria morreu. Você, não.

Mano, a sua viagem começou.

IRRESISTÍV­EL •••

Você pagou caro na passagem, mas não larga o celular

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