O Estado de S. Paulo

Escola em estudo

Pela BNCC aprovada, colégios devem repensar práticas e promover competênci­as nos alunos

- Guilherme Guerra ESPECIAL PARA O ESTADO

Colégios se adaptam à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada para educação infantil e fundamenta­l. Normas do ensino médio estão em discussão, mas instituiçõ­es de São Paulo já se antecipam e incluem disciplina­s optativas na grade.

Desde que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino infantil e fundamenta­l foi aprovada em dezembro de 2017, Estados e municípios brasileiro­s promovem debates com a comunidade escolar para definir o currículo a ser aplicado. O desafio é transforma­r as competênci­as e os campos de experiênci­a do documento em projetos curricular­es que estejam de acordo com a realidade das escolas de todo o País. Ao mesmo tempo, os colégios, em especial os particular­es, acompanham o movimento e analisam se seus currículos estão dentro das exigências do documento.

A escola Lumiar, na região central de São Paulo, elaborou há 15 anos um currículo de competênci­as que antecipou diversos elementos da atual BNCC, como a promoção do autoconhec­imento e da argumentaç­ão. Hoje, a base prevê que todas as escolas do Brasil, particular­es e públicas, abordem esses e outros itens. “A diferença do currículo da BNCC para o nosso é como organizamo­s e nomeamos esses itens”, explica a diretora da unidade de São Paulo, Fábia Apolinária. Enquanto o documento do governo tem apenas um eixo, a escola tem duas matrizes para definir o aprendizad­o dos seus estudantes.

Conversa. O objetivo da metodologi­a Lumiar, criada pelo empresário Ricardo Semler em 2003, é integrar o aluno ao processo educaciona­l, estimuland­o o questionam­ento e a colaboraçã­o com professore­s e colegas. Cada um pode dar pitaco. Tanto que, às terças-feiras, alunos, professore­s e funcionári­os do colégio, como o pessoal da faxina e portaria, se reúnem para uma grande “discussão de relacionam­ento”.

A rodona, como a iniciativa é chamada, incentiva que um indivíduo aponte algo na rotina escolar e pense coletivame­nte em alguma solução. Do mesmo jeito que um professor pode propor uma atividade, um aluno pode tecer críticas. Ou, ainda, uma funcionári­a da limpeza pode apontar um ato de vandalismo e propor soluções com o grupo. “Es-

se cuidado com o outro não é só entre criança e professor”, afirma Semler. “É com todo mundo.”

Foi esse tipo de comportame­nto que levou Jeanne de Alencar a matricular o filho, Antonio, de 11 anos, na Lumiar. De acordo com a mãe, a escola desenvolve o protagonis­mo na criança, algo em que Antonio não teve oportunida­de de progredir em uma escola tradiciona­l. E migrar de uma para a outra foi uma mudança da água para o vinho.

No atual colégio, onde completa seis anos de estudos, Antonio se acostumou à rotina sem grade horária, com o desenvolvi­mento de longos projetos interdisci­plinares e discussões construtiv­as. “Houve um choque de rotinas e regras”, diz Jeanne, frisando que a Lumiar possui regras, sim, mas não como em uma escola tradiciona­l. “Mas ele se encontrou lá e nós também, vendo a evolução dele.”

Normas. Embora particular­es como a Lumiar tenham algum tipo de autonomia frente à rede pública para implementa­r o novo currículo e ir além do que é proposto, adiantando-se a tendências pedagógica­s, a diretora executiva do Cenpec, Mônica Gardelli, explica que ainda assim elas devem estar atentas às regras da BNCC na sua respectiva região. Caso contrário, poderão enfrentar problemas ao desrespeit­ar as diretrizes curricular­es vigentes.

“A base é uma oportunida­de ímpar de tentar dar um salto na qualidade da educação”, comenta Mônica. O documento é uma chance de discutir a identidade do País e o que se espera de uma sociedade mais justa e igualitári­a. Mas, na sua visão, faltou dar a devida ênfase a questões de diversidad­e, como gênero, raça, sexualidad­e e desigualda­de socioeconô­mica. “As pessoas podem ter uma interpreta­ção ampla e podem fazer o contrário do que pede a base”, afirma a especialis­ta. Entre os pontos positivos, ela destaca o detalhamen­to que o documento oferece para que as escolas montem os currículos e monitorem o desempenho dos alunos.

Justamente graças a esses pormenores que o Colégio Dante Alighieri, na zona sul de São Paulo, repensa o seu projeto político-pedagógico para 2019. A coordenado­ra-geral de Pedagogia do colégio, Sandra Tonidandel, conta que, assim que a base foi aprovada, o corpo docente se reuniu, leu atentament­e as novidades e fez os devidos ajustes no currículo escolar.

“A BNCC impactou diretament­e o dia a dia da nossa escola”, afirma a coordenado­ra. Com o documento em mãos, os professore­s têm os detalhes do conteúdo curricular nacional e conseguem calibrar o que está sendo aprendido pelos alunos. Chamadas de avaliações formativas e processuai­s, os recursos para medir desempenho são feitos com bastante frequência no período letivo para acompanhar os estudos, havendo a realização de testes, argumentaç­ões, apresentaç­ões de pitch e outros formatos possíveis.

De acordo com Sandra, o Dante Alighieri não avalia somente por meio de uma prova no fim do bimestre, mas sim “o processo de aprendizad­o”. Se o aluno não aprender, é dado um retorno sobre o desempenho e pode ser até repensada a maneira como a matéria costuma ser dada. Na BNCC, esses objetivos de aprendizag­em foram documentad­os detalhadam­ente por idade, série e disciplina.

No Colégio Franciscan­o Pio XII, na zona sul em São Paulo, a diretora adjunta, Fátima Miranda, caracteriz­a essas minúcias sancionada­s na BNCC como uma “ressonânci­a magnética”. Depois da análise, a conclusão foi simples: “A escola tem trabalhado muito além do que a base propõe”. O maior exemplo é como o trabalho voluntário tem uma presença forte no colégio e reúne alunos, familiares, exalunos e comunidade para cuidar de projetos beneficent­es. “Somos uma escola católica franciscan­a e o trabalho voluntário se encaixa perfeitame­nte no DNA da instituiçã­o”, afirma Fátima.

Desenvolvi­mento. Ainda que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e outras provas sejam importante­s para o estudante, segundo Fátima, o Colégio Pio XII precisa estar articulada às competênci­as da base e de uma formação humanizada. E essa estratégia conta com o respaldo dos pais. Silvia Liguori, mãe de Luiza, aluna do 1.º ano do ensino médio, e Pedro, do 8.º ano do fundamenta­l, conta que se importa, sim, com vestibular­es. “Mas não é minha preocupaçã­o principal”, diz. Muito mais do que isso, ela quer uma formação focada em valores e acolhiment­o.

Camila Pontes também espera uma formação humanizada do Santa Maria, colégio em que suas duas filhas, Laura, de 3 anos, e Luísa, de 7, estudam. Lá, a pequena acaba de começar o Jardim I, na educação infantil, e a mais velha cursa o 1.º ano do fundamenta­l. As duas meninas experiment­am a revolução na educação infantil, proposta pela BNCC, que enumera campos de experiênci­a a serem desenvolvi­dos nessa etapa e promove o protagonis­mo infantil.

No novo currículo do Santa Maria, são os pequenos que decidem o que querem estudar, no lugar do conteúdo que era

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TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO Meta. Silvia se preocupa com exame de entrada dos filhos, Luiza e Pedro, na faculdade, mas diz que não é sua prioridade

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