Escola em estudo
Pela BNCC aprovada, colégios devem repensar práticas e promover competências nos alunos
Colégios se adaptam à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada para educação infantil e fundamental. Normas do ensino médio estão em discussão, mas instituições de São Paulo já se antecipam e incluem disciplinas optativas na grade.
Desde que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino infantil e fundamental foi aprovada em dezembro de 2017, Estados e municípios brasileiros promovem debates com a comunidade escolar para definir o currículo a ser aplicado. O desafio é transformar as competências e os campos de experiência do documento em projetos curriculares que estejam de acordo com a realidade das escolas de todo o País. Ao mesmo tempo, os colégios, em especial os particulares, acompanham o movimento e analisam se seus currículos estão dentro das exigências do documento.
A escola Lumiar, na região central de São Paulo, elaborou há 15 anos um currículo de competências que antecipou diversos elementos da atual BNCC, como a promoção do autoconhecimento e da argumentação. Hoje, a base prevê que todas as escolas do Brasil, particulares e públicas, abordem esses e outros itens. “A diferença do currículo da BNCC para o nosso é como organizamos e nomeamos esses itens”, explica a diretora da unidade de São Paulo, Fábia Apolinária. Enquanto o documento do governo tem apenas um eixo, a escola tem duas matrizes para definir o aprendizado dos seus estudantes.
Conversa. O objetivo da metodologia Lumiar, criada pelo empresário Ricardo Semler em 2003, é integrar o aluno ao processo educacional, estimulando o questionamento e a colaboração com professores e colegas. Cada um pode dar pitaco. Tanto que, às terças-feiras, alunos, professores e funcionários do colégio, como o pessoal da faxina e portaria, se reúnem para uma grande “discussão de relacionamento”.
A rodona, como a iniciativa é chamada, incentiva que um indivíduo aponte algo na rotina escolar e pense coletivamente em alguma solução. Do mesmo jeito que um professor pode propor uma atividade, um aluno pode tecer críticas. Ou, ainda, uma funcionária da limpeza pode apontar um ato de vandalismo e propor soluções com o grupo. “Es-
se cuidado com o outro não é só entre criança e professor”, afirma Semler. “É com todo mundo.”
Foi esse tipo de comportamento que levou Jeanne de Alencar a matricular o filho, Antonio, de 11 anos, na Lumiar. De acordo com a mãe, a escola desenvolve o protagonismo na criança, algo em que Antonio não teve oportunidade de progredir em uma escola tradicional. E migrar de uma para a outra foi uma mudança da água para o vinho.
No atual colégio, onde completa seis anos de estudos, Antonio se acostumou à rotina sem grade horária, com o desenvolvimento de longos projetos interdisciplinares e discussões construtivas. “Houve um choque de rotinas e regras”, diz Jeanne, frisando que a Lumiar possui regras, sim, mas não como em uma escola tradicional. “Mas ele se encontrou lá e nós também, vendo a evolução dele.”
Normas. Embora particulares como a Lumiar tenham algum tipo de autonomia frente à rede pública para implementar o novo currículo e ir além do que é proposto, adiantando-se a tendências pedagógicas, a diretora executiva do Cenpec, Mônica Gardelli, explica que ainda assim elas devem estar atentas às regras da BNCC na sua respectiva região. Caso contrário, poderão enfrentar problemas ao desrespeitar as diretrizes curriculares vigentes.
“A base é uma oportunidade ímpar de tentar dar um salto na qualidade da educação”, comenta Mônica. O documento é uma chance de discutir a identidade do País e o que se espera de uma sociedade mais justa e igualitária. Mas, na sua visão, faltou dar a devida ênfase a questões de diversidade, como gênero, raça, sexualidade e desigualdade socioeconômica. “As pessoas podem ter uma interpretação ampla e podem fazer o contrário do que pede a base”, afirma a especialista. Entre os pontos positivos, ela destaca o detalhamento que o documento oferece para que as escolas montem os currículos e monitorem o desempenho dos alunos.
Justamente graças a esses pormenores que o Colégio Dante Alighieri, na zona sul de São Paulo, repensa o seu projeto político-pedagógico para 2019. A coordenadora-geral de Pedagogia do colégio, Sandra Tonidandel, conta que, assim que a base foi aprovada, o corpo docente se reuniu, leu atentamente as novidades e fez os devidos ajustes no currículo escolar.
“A BNCC impactou diretamente o dia a dia da nossa escola”, afirma a coordenadora. Com o documento em mãos, os professores têm os detalhes do conteúdo curricular nacional e conseguem calibrar o que está sendo aprendido pelos alunos. Chamadas de avaliações formativas e processuais, os recursos para medir desempenho são feitos com bastante frequência no período letivo para acompanhar os estudos, havendo a realização de testes, argumentações, apresentações de pitch e outros formatos possíveis.
De acordo com Sandra, o Dante Alighieri não avalia somente por meio de uma prova no fim do bimestre, mas sim “o processo de aprendizado”. Se o aluno não aprender, é dado um retorno sobre o desempenho e pode ser até repensada a maneira como a matéria costuma ser dada. Na BNCC, esses objetivos de aprendizagem foram documentados detalhadamente por idade, série e disciplina.
No Colégio Franciscano Pio XII, na zona sul em São Paulo, a diretora adjunta, Fátima Miranda, caracteriza essas minúcias sancionadas na BNCC como uma “ressonância magnética”. Depois da análise, a conclusão foi simples: “A escola tem trabalhado muito além do que a base propõe”. O maior exemplo é como o trabalho voluntário tem uma presença forte no colégio e reúne alunos, familiares, exalunos e comunidade para cuidar de projetos beneficentes. “Somos uma escola católica franciscana e o trabalho voluntário se encaixa perfeitamente no DNA da instituição”, afirma Fátima.
Desenvolvimento. Ainda que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e outras provas sejam importantes para o estudante, segundo Fátima, o Colégio Pio XII precisa estar articulada às competências da base e de uma formação humanizada. E essa estratégia conta com o respaldo dos pais. Silvia Liguori, mãe de Luiza, aluna do 1.º ano do ensino médio, e Pedro, do 8.º ano do fundamental, conta que se importa, sim, com vestibulares. “Mas não é minha preocupação principal”, diz. Muito mais do que isso, ela quer uma formação focada em valores e acolhimento.
Camila Pontes também espera uma formação humanizada do Santa Maria, colégio em que suas duas filhas, Laura, de 3 anos, e Luísa, de 7, estudam. Lá, a pequena acaba de começar o Jardim I, na educação infantil, e a mais velha cursa o 1.º ano do fundamental. As duas meninas experimentam a revolução na educação infantil, proposta pela BNCC, que enumera campos de experiência a serem desenvolvidos nessa etapa e promove o protagonismo infantil.
No novo currículo do Santa Maria, são os pequenos que decidem o que querem estudar, no lugar do conteúdo que era