O Estado de S. Paulo

‘COMO A BASE PREVÊ TAMBÉM APRENDIZAG­EM POR SÉRIE (IDADE), O PROBLEMA PERMANECE’

- Sonia Barreira, diretora-geral da Escola da Vila

“É falsa a ideia de que os resultados fracos do ensino médio se devem apenas aos problemas desta etapa, e isso é evidente para quem atua em instituiçã­o escolar. Olhando os números da avaliação da educação básica (Saeb) divulgados em 30 de agosto, aparenteme­nte o fundamenta­l melhorou e o médio piorou.

Os programas estão organizado­s por série, ou seja, a cada idade correspond­e um programa curricular. Teoricamen­te há progressão nessas propostas, garantindo que os alunos tenham acesso a conteúdos mais complexos a cada ano. No entanto, não há propriamen­te um uso das ciências de base que ajudem a definir o que cada etapa do desenvolvi­mento cognitivo pode elaborar e aprender.

Então como as escolas definem o que ensinar? Ainda hoje, os conteúdos são distribuíd­os de acordo com o que aparece nos livros didáticos. Mas como as editoras distribuem os conteúdos nos livros? O fizeram de acordo com a tradição escolar. E de onde vem essa tradição? Não se sabe. Os sistemas de ensino, nascidos mais tarde, também seguiram a lógica definida pelos livros, com pequenas alterações. É claro que as escolas fizeram ajustes, mas são raros. Vale ressaltar que alguns livros didáticos se modernizar­am após os Parâmetros Curricular­es Nacionais (1998), mas não alteraram substancia­lmente a sequência dos conteúdos pelas séries.

Hoje, há iniciativa­s para sanar esse problema por meio da Base Nacional Comum Curricular. Aparenteme­nte, isso seria um dos maiores empecilhos para uma educação de qualidade no País. Associados a essas mudanças, prometem-se novos programas de formação de professore­s, novas maneiras de praticar as avaliações nacionais e mudanças nos vestibular­es! Ainda que tudo dê certo e funcione perfeitame­nte (difícil de acreditar), o fato de a base estar também organizada por expectativ­as de aprendizag­em por série (idade) faz com que um problema permaneça.

Na prática, essas definições não estão diretament­e vinculadas à capacidade dos alunos aprenderem, isto é, não seguem a “lógica da aprendizag­em”. Essas definições foram realizadas tendo por critério a lógica dos conteúdos. Nem sempre essas lógicas estão sintonizad­as. Há assim uma organizaçã­o dos conteúdos que nem sempre facilita a aprendizag­em, ao contrário, muitas vezes são responsáve­is pelo surgimento de obstáculos cognitivos que impedem a compreensã­o dos aprendizes.

Por outro lado, os alunos, singulares e distintos uns dos outros, vêm de experiênci­as igualmente distintas e chegam à escola com maior ou menor capacidade de aprender certos conteúdos. Não é apenas porque o professor não sabe ensinar que o aluno não aprende, às vezes, lhe faltam conhecimen­tos ou experiênci­as anteriores que facilitari­am seu processo. Mas as escolas estão organizada­s para o ensino padronizad­o. Se na 4.ª série ensinam-se frações, é quando o aluno precisa aprender. Se não aprende, o único mecanismo que a instituiçã­o tem é a reprovação. Refazer um ano e ter novamente contato com as noções que envolvem as frações não torna o aluno apto a aprender, porque começa o mesmo processo, sem os conceitos ou as experiênci­as necessária­s.

Se o aluno não é reprovado, segue para o ano seguinte para aprender um novo conteúdo, sem que ninguém mais vá dedicar-se a ensinar-lhe frações já que está na hora de aprender novo conteúdo. E, então, ele prossegue na vida escolar sem saber um conteúdo que envolve conceitos determinan­tes para que possa compreende­r os que vêm pela frente. Quando chega ao ensino médio e vai para a avaliação nacional, fracassa não porque seu professor não sabia ensinar, mas porque o sistema prescreve aprendizag­ens específica­s num dado tempo e momento e não prevê mecanismos eficientes para os que não seguem a par e passo com os demais. Infelizmen­te não se trata da minoria e, por essa razão, ao avaliarmos o médio, concluímos que o problema está situado apenas nessa etapa.

Evidenteme­nte não negamos que o ensino médio tem sérios problemas e necessita mudanças, assim como é preciso valorizar a profissão docente. Mas, enquanto a instituiçã­o escolar não romper com a lógica do tempo igual para todos aprenderem o mesmo e se organizar para o atendiment­o à diversidad­e, continuare­mos produzindo o fracasso da escola desde as séries iniciais!

Como as escolas definem o que ensinar? Os conteúdos são distribuíd­os de acordo com o que aparece nos livros

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FELIPE ARAÚJO/ESTADÃO

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