O Estado de S. Paulo

O ressurgime­nto do monstro

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Oque faltava na campanha era o surgimento do espectro do monstro tributário chamado CPMF para assombrar ainda mais o eleitor.

Numa campanha eleitoral marcada por discursos extremados e por falta de propostas concretas e exequíveis para o enfrentame­nto dos graves problemas nacionais, o que faltava era o surgimento do espectro do monstro tributário chamado CPMF – ou Contribuiç­ão Provisória sobre Movimentaç­ão Financeira – para assombrar ainda mais o eleitor já aturdido pela dificuldad­e de identifica­r uma candidatur­a que exprima um mínimo de sensatez e coerência. O enfrentame­nto da grave crise fiscal requer, de fato, medidas corajosas que, de imediato, contenham sua virulência e, ao longo do tempo, encaminhem as contas públicas para seu reequilíbr­io e para a geração de superávits primários que permitam a redução gradual da dívida da União. Propor soluções fáceis, como a de aumentar a arrecadaçã­o por meio da recriação da CPMF, ainda que disfarçada por outro nome ou por outros estranhos propósitos – como o de substituiç­ão de todos os demais impostos –, não passa de tentativa de esconder a verdadeira dimensão da crise e a falta de coragem para adotar as medidas drásticas para domá-la.

A mais recente defesa da CPMF foi feita pelo economista Paulo Guedes, assessor econômico do candidato do PSL à Presidênci­a da República, capitão reformado Jair Bolsonaro. Não se trata de um simples integrante da equipe de campanha de Bolsonaro. O candidato já declarou que Guedes é o responsáve­l pela parte econômica de seu programa de governo e que, se eleito, o nomeará ministro da Fazenda.

A um grupo restrito de empresário­s, Guedes disse que o pacote tributário a ser implementa­do num eventual governo Bolsonaro inclui a recriação de um tributo com as caracterís­ticas da CPMF. Em entrevista ao site BR18, do portal estadao.com, Guedes reconheceu que os estudos de reforma tributária feitos pelos economista­s que compõem sua equipe preveem a substituiç­ão de todos os impostos federais não compartilh­ados com Estados e municípios por um tributo único, que incidiria sobre transações financeira­s como a CPMF. Depois, Guedes disse que as coisas não eram tão simples assim.

Quaisquer que sejam as justificat­ivas de Paulo Guedes para a criação do imposto, trata-se da volta da CPMF. Essa proposta já foi defendida também pelo economista Mauro Benevides Filho, que responde pela assessoria econômica do candidato do PDT à Presidênci­a da República, Ciro Gomes. Em carta enviada em maio da prisão de Curitiba, onde cumpre pena por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva lamentou o fim da CPMF em 2007 – quando estava na Presidênci­a –, consideran­do-o uma derrota do Brasil.

Vários candidatos à Presidênci­a da República, pessoalmen­te ou por meio de seus assessores, porém, repudiam a ideia. O candidato do PSDB ao Palácio do Planalto, Geraldo Alckmin, aproveitou a oportunida­de para dizer que não recriará a CPMF. O do MDB, ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles, igualmente rejeitou a proposta, por se tratar, como disse, de um tributo regressivo – isto é, incide mais sobre as rendas dos que ganham menos – e nocivo para a produtivid­ade do País. A regressivi­dade e o aumento dos custos de produção são, de fato, dois dos graves males econômicos e sociais que essa forma de tributação gera, mas não são os únicos.

O fato de ter alíquota relativame­nte baixa – o assessor econômico do candidato do PSL falou em 0,40% ou 0,50% sobre o valor da transação tributada – torna o tributo pouco perceptíve­l para a maioria dos contribuin­tes. Mas seu impacto financeiro sobre a economia é imenso. O “imposto do cheque”, como a CPMF ficou conhecida, incide em cascata, o que o torna diferente de outros tributos sobre valor adicionado, como o ICMS. Por isso, seu efeito sobre os custos é cumulativo, o que afeta o preço final e a competitiv­idade do produto brasileiro. Ele torna ainda pior um sistema tributário já disfuncion­al e oneroso.

Temendo o impacto negativo do anúncio da proposta sobre sua campanha, o candidato Jair Bolsonaro usou o Twitter para dizer que sua “equipe econômica trabalha para a redução da carga tributária”. Mas não negou a proposta.

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