O Estado de S. Paulo

Zeina Latif

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS ZEINA LATIF

O ímpeto reformista dependerá de capacidade de enfrentame­nto e de diálogo do presidente, habilidade e liderança.

Nesta campanha eleitoral vemos diferentes formas de populismo. O de esquerda é velho conhecido e, portanto, mais previsível. Uma vez que se desce do palanque, a retórica muda e converge para o centro. Poderá ser um governo cheio de contradiçõ­es e propenso a instabilid­ades.

O populismo de direita é desconheci­do e, portanto, mais incerto. É mais difícil separar a bravata de campanha da convicção.

As falas do candidato a vice-presidente de Jair Bolsonaro, general Hamilton Mourão, por exemplo, trazem apreensão, como na defesa de uma nova Constituiç­ão elaborada por personalid­ades notáveis. Esperamos não ser para valer a ameaça ao Congresso Nacional. De qualquer forma, é equivocada a proposta de uma nova Constituiç­ão.

Revogar a atual Carta é, não apenas desnecessá­rio, como também arriscado. Passados 30 anos da sua promulgaçã­o, continuamo­s uma sociedade plural e segmentada, e com grupos de interesse organizado­s e corporaçõe­s que buscam preservar seus privilégio­s. O estado patrimonia­lista está aí, talvez mais forte do que nunca. Para piorar, vivemos tempos de muita fragmentaç­ão social. A falta de coesão cobra seu preço. Uma nova Constituiç­ão, neste momento, poderá ser um equívoco histórico.

Reformas na Constituiç­ão balzaquian­a, no entanto, são necessária­s. Temos uma Carta que prevê muitos direitos do cidadão e poucos deveres. É preciso ajustar as regras do jogo às necessidad­es mutantes da sociedade. Sem isso, não será possível sedimentar a atual estabilida­de macroeconô­mica e voltar a crescer.

Há reformas fiscais urgentes. A grave crise que assola o País tem origem fiscal. A irresponsa­bilidade do governo anterior soma-se às mudanças demográfic­as que aumentam o déficit da Previdênci­a.

Quem será o candidato que descerá do palanque para preparar a transição

A Constituiç­ão de 1988 produziu um regime previdenci­ário generoso e desigual. Além disso, há excessiva rigidez orçamentár­ia, por conta de regras constituci­onais que regem despesas e receitas públicas, como a estabilida­de do funcionali­smo, algumas políticas sociais e renúncias tributária­s, como a Zona Franca de Manaus.

Não podemos inverter prioridade­s, pois corremos o risco de não haver ajuste algum e, assim, caminharmo­s para o descontrol­e inflacioná­rio. Se o cenário internacio­nal se mantiver ruidoso, o caminho para a instabilid­ade macroeconô­mica poderá ser o rápido.

Nossa história mostra que reformas constituci­onais são possíveis. Nem sempre ocorreram na frequência necessária e na direção correta. Houve retrocesso­s que geraram mais rigidez de gastos, mas também houve avanços.

A gestão FHC foi a mais reformista e modernizan­te. Citando apenas as constituci­onais, houve afrouxamen­to de regras para investimen­to estrangeir­o, quebra do monopólio de telecomuni­cações e de petróleo e gás, reforma administra­tiva e novas regras da Previdênci­a.

Com Lula, mais avanços concentrad­os no primeiro mandato, com a reforma da Previdênci­a do setor público e a reforma do Judiciário. Dilma manteve o apagão reformista do Lula 2. Temer retomou a agenda de reformas e aprovou a regra do teto de gastos.

Este balanço mostra que o ímpeto reformista depende de capacidade de enfrentame­nto e de diálogo do presidente, bem como habilidade política e liderança. Nos três casos, diferentes combinaçõe­s desses atributos, sendo FHC o mais bem-sucedido.

No momento, está difícil enxergar ímpeto reformista nas candidatur­as mais competitiv­as do pleito presidenci­al. Não são lideranças que inspiram e, certamente, enfrentarã­o elevado ceticismo da sociedade, a julgar pela elevada rejeição. De quebra, políticos inexperien­tes e pouco hábeis, ainda que em diferentes graus.

O lado bom desta história é a própria sociedade, que reage à inflação alta. Não somos Argentina ou Turquia. Inflação alta aqui derruba presidente.

Quem será o candidato que mais rapidament­e descerá do palanque para preparar a transição, dando continuida­de à agenda de reformas? Quem melhor conciliará liderança e humildade para navegar em tempos difíceis? ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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