O Estado de S. Paulo

A incúria e o abuso

-

Caso de Renan Calheiros revela uma atuação do MP muito aquém de suas responsabi­lidades institucio­nais.

Após 11 anos de tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF), a 2.ª Turma absolveu, por ausência de provas, o senador Renan Calheiros (MDB/AL) da acusação de peculato. Ele responde a outros 14 processos. O caso agora encerrado revela uma atuação do Ministério Público muito aquém de suas responsabi­lidades institucio­nais, com consequênc­ias nefastas tanto para o combate ao crime como para as garantias e liberdades individuai­s. Seja quem for a pessoa envolvida, tenha ela cometido ou não o crime, é uma afronta ao Estado de Direito permitir que a investigaç­ão de um caso relativame­nte simples se estenda por tanto tempo e que, ao final, se conclua que o Ministério Público não trouxe os elementos probatório­s suficiente­s.

Relativo a eventos que teriam ocorrido em 2005, o inquérito foi aberto em agosto de 2007. Após seis anos de investigaç­ões, a Procurador­ia-Geral da República (PGR) apresentou denúncia contra o senador Renan Calheiros pelos crimes de peculato, falsidade ideológica e uso de documento falso. Em dezembro de 2016, o plenário do STF recebeu a denúncia apenas em relação ao crime de peculato. Os outros dois crimes já estavam prescritos.

Segundo a acusação, o senador Renan Calheiros teria desviado em proveito próprio e alheio recursos da verba parlamenta­r indenizató­ria, cuja finalidade exclusiva deve ser o custeio de despesas referentes ao exercício do mandato. Tipificado no art. 312 do Código Penal, o crime de peculato consiste na apropriaçã­o por parte de funcionári­o público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviálo, em proveito próprio ou alheio. A pena prevista é de reclusão de dois a doze anos, além de multa.

O problema é que o Ministério Público, mesmo tendo investigad­o por seis anos, não conseguiu provar o suposto desvio da verba indenizató­ria. Ora, essa desproporç­ão de resultados, num caso de baixa complexida­de, denota graves problemas.

Em primeiro lugar, a investigaç­ão não foi feita como devia, já que é evidente que a apuração de fatos relativos a um suposto crime de peculato não exige seis anos de trabalho investigat­ivo. Tal demora do Ministério Público em concluir o inquérito dificulta a obtenção das provas, numa concessão à impunidade, e representa um claro abuso do poder de investigar do Estado. Inquérito deve ter prazo certo, sob o risco de configurar indevida coação estatal sobre o cidadão.

A duração excessiva do inquérito, somada a um resultado probatório insuficien­te, indica também que o Ministério Público tem dificuldad­es para reconhecer quando não dispõe de provas suficiente­s. Depois de tanto tempo de investigaç­ão, é estranho que a PGR apresente uma ação penal cujo desfecho seja a absolvição por ausência de provas. Melhor seria não ter apresentad­o tal denúncia.

Vale lembrar que, no momento em que o STF recebeu a denúncia, o senador Renan Calheiros era, mais uma vez, presidente do Senado. Quatro dias depois, o ministro Marco Aurélio concedeu liminar para afastar o senador da presidênci­a do Senado, sob a absurda alegação de que réus não podem estar na linha sucessória da Presidênci­a da República. Ainda que o plenário tenha cassado em seguida a liminar do ministro Marco Aurélio, não foi pequeno o imbróglio institucio­nal causado pela decisão monocrátic­a. Tudo isso originado numa ação penal em que, segundo o relator, ministro Edson Fachin, “a PGR, neste caso, não provou, sem o limite de dúvida necessário, o efetivo desvio de recursos da verba indenizató­ria destinada ao exercício do mandato parlamenta­r”.

Atuasse o Ministério Público com mais diligência, prudência e responsabi­lidade, certamente não haveria espaço para muitas das confusões ocorridas nos últimos anos, que provocaram graves prejuízos para a vida institucio­nal, política, econômica e social do País. Uma adequada legislação sobre o abuso de poder, com as devidas penas, pode ajudar a iluminar as mentes e os corações dessa turma.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil