O Estado de S. Paulo

Além do porco.

Cozinheiro­s usam cortes de outros animais para fazer bacon.

- Danielle Nagase

No balcão da Paca Polaca, além dos clientes pragmático­s, que sentam, comem e logo vão embora, há sempre alguém disposto a demorar um pouco mais, interessad­o em saber como Clarice Reichstul prepara seus pratos judaico-poloneses. Uma vez engatado o papo, a cozinheira exibe tudo o que anda testando: “Bacon de carneiro. Não é muito da hora isso?”.

Inspirada em delis de Nova York (como a Mile End) – veteranas em fazer bacon com carne ovina ou bovina, uma vez que o porco é proibido na cozinha kosher –, Clarice desafiou Bernardo Criscuolo, d’A Table Charcutari­a, a desenvolve­r esse tal de “bacon diferentão” com ela. A dupla se soma a entusiasta­s como Eran Bick, charcuteir­o do Hook, em Tel Aviv, que dizem ter sido o primeiro em Israel a usar barriga de cordeiro no lugar da peça suína.

Louro, semente de coentro, dill e até casca de mexerica cavalo foram utilizados na cura da primeira barriga de carneiro que Clarice trouxe de seu sítio na Bocaina. “Testamos e percebemos que não é por aí. Uma carne com tanta personalid­ade não pode ter seu sabor mascarado”, conta Bernardo, que, no segundo teste, apostou no básico: sal, açúcar, pimenta-do-reino e madeira de goiabeira para defumar. “Ficou bom, mas não ficou ótimo. Faltou calibrar o tempo de cura”, conta Clarice.

Na terceira tentativa, Bernardo lançou mão de uma enzima, a transgluta­minase, para “colar” uma peça de barriga na outra e deixar o bacon mais espesso e menos ressecado depois de pronto. O resultado, que o Paladar provou em primeira mão, pode ser conferido na foto desta página: um bacon delicado, sutilmente defumado, com leve dulço reboa distribuiç­ão de gorduran acarne–dá até para comer sem fritar( R $170, o quilo, a partir de terça-feira). “Estou pensando em servir bacon com ovos estalados. Não precisa de mais nada.”

Nos mesmos moldes novaiorqui­nos, Julio Raw, do Z Deli Sandwich Shop, aproveita a famosa língua bovina defumada da casa para improvisar um bacon kosher, que, vale dizer, não consta do cardápio. As fatias finas, fritas até se contorcere­m, são supercroca­ntes e lembram torresmo.

Mas, calma aí, se não é feito de barriga de porco, pode ser chamado de bacon? Na enciclopéd­ia Oxford Companion to

Food, de Alan Davidson, apalavras e refere a cortes suínos (não necessaria­mente abarriga) curados e defumados. Se nãoédep orco, nãoé toucinho.

“De fato não é, mas convencion­ou-se chamar assim por conta da técnica empregada, que é a mesma”, defende o jornalista Pedro Marques, que há oito meses criou a Don Bacon e atende clientes sob encomenda. Além da versão suína, faz magret de pato curado (com sal, açúcar e cravo) e defumado para “diversific­ar o portfólio”.

Bem carnudo e salgadinho, o produto (R$ 27; 300g) caiu no gosto de clientes como Dani Borges, do vietnamita Bia Hoi, e ganhou status de protagonis­ta: no restaurant­e dela o bacon de pato é servido com molho de anis, legumes salteados e arroz.

O chef Antonio Maiolica, do Antonietta Cucina, em Higienópol­is, bairro com alta concentraç­ão de judeus, também prepara o próprio bacon de pato, temperado com pimenta-do-reino, pápricas doce e defumada, alho e cebola em pó. “A capinha de gordura do peito da ave fica bem gostosa depois do processo. Aproveito e uso no carbonara no lugar da pancetta”, conta.

É também com peito, mas de marrecos, que o chef Willian Vieira prepara o bacon servido no Terroir Bistrô, em Joinville (SC), com acácia, mel de mandaçaia e pó de batata doce roxa. A carne da ave é temperada com pimenta, tomilho e zimbro, além de sal e açúcar, e defumada com lenha de goiabeira.

Extrapolan­do a despensa terrestre – no Japão, faz-se bacon com barriga de baleia –, o chef Cesar Costa pinça da Europa o costume de curar e defumar pescados. No Corrutela, faz bacon com barriga de peixe espada, que é bem gordo, e usa lenha de caqui no processo. Sem aviso prévio, usa em pratos como o polvo com mashed potato. “Ninguém percebe que não é porco.”

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Carbonara de pato do Antonietta (à esq.); e bacon de pato do Don Bacon
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Na frigideira, o bacon de carneiro de Clarice Reichstul, da Paca Polaca, e Bernardo Criscuolo, d’A Table Charcutari­a (ao lado)
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HENRIQUE PERON
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