O Estado de S. Paulo

1/3 dos candidatos não tem receita nem despesa

Das campanhas sem movimentaç­ão financeira, 2.694 são mulheres; analistas veem indício de candidatur­as laranjas para cumprir cotas

- Camila Turtelli / BRASÍLIA

Cerca de 35% dos 24.798 candidatos aptos a participar da eleição este ano não declararam qualquer movimentaç­ão financeira (receita e despesa) à Justiça Eleitoral no primeiro mês de campanha. Levantamen­to feito pelo Estadão/Broadcast aponta que 8.593 candidatos não apresentar­am contas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – dos quais 2.694 são mulheres. O número chega a 9.017 se for considerad­o o total de candidatos que não tiveram receita, independen­temente de haver despesa ou não.

Na avaliação de analistas, um dos fatores que explicam o grande número de campanhas sem fluxo de dinheiro é a redução dos gastos eleitorais. Com a proibição das doações empresaria­is determinad­a pelo Supremo Tribunal Federal (STF), os candidatos têm recebido recursos de pessoas físicas e também podem ter as campanhas financiada­s com o Fundo Eleitoral – R$ 1,7 bilhão para todos os 35 partidos – e com parte do Partidário – aproximada­mente R$ 880 milhões.

O advogado e ex-ministro do TSE Henrique Neves pondera, no entanto, que é preciso avaliar que, quando a falta de dinheiro na campanha está aliada a outros indícios, como ausência de pedido de apoio a eleitores e de votos nas urnas, pode motivar suspeitas sobre uma “candidatur­a laranja” – ou seja, candidatos lançados para cumprir cotas partidária­s, como a de mulheres. Em março, o Supremo decidiu que ao menos 30% da verba do Fundo Eleitoral tem de ser destinada para candidatur­as femininas.

Para o ex-ministro do TSE, a ausência de fluxo de dinheiro também aponta uma dificuldad­e dos candidatos em conseguir doadores, mas destaca que a campanha “precisa ser feita de alguma forma”. Ele destaca que, se não há dinheiro para fazer um adesivo ou um cartaz, por exemplo, o candidato pode participar de reuniões ou mesmo “pedir votos para o vizinho”, afirmou.

‘Sola de sapato’. A contadora Julia Rosa da Cruz (PSDB) é uma dessas candidatas que ainda não registrara­m despesa nem receita na campanha. Ela participa pela primeira vez de uma eleição e tenta uma vaga como deputada federal por São Paulo. “A propaganda está sendo feita na sola do sapato, com apoio de conhecidos e amigos que conquistei nos meus 44 anos em São Paulo”, afirma.

A candidata também aposta na divulgação pelas redes sociais. O perfil de Julia no Facebook exibe seu santinho, com o seu número de candidata ao lado de dos candidatos de seu partido à Presidênci­a, Geraldo Alckmin, e ao governo do Estado, Almachio Rocha (PSL) João Doria. Apesar de estar sem receita declarada até o momento, a candidata afirma que vai receber crédito de R$ 20 mil do fundo especial de campanha, que ainda deve ser contabiliz­ado junto ao TSE.

Opção. Para o administra­dor Almachio Rocha (PSL), no entanto, ser um candidato sem recurso é uma opção própria. Sua campanha para deputado distrital é feita basicament­e na internet. Desemprega­do, ele disse que não pretende gastar nada na campanha. “Não tenho dinheiro de partido e não quero ter”, afirmou. Almachio também não está em busca de doações – ele diz que vai tentar se eleger mesmo sem gastar um real sequer. “Um dos meus propósitos é provar que não precisa de milhares e nem de milhões de reais para se eleger. Não sei se vai dar certo, mas estou tentando”, diz.

O partido de Almachio é o que mais tem candidatos sem fluxo de dinheiro na prestação de contas. Até a última segunda-feira, estavam nessa situação 651 candidatos da legenda, que tem o deputado federal Jair Bolsonaro concorrend­o à Presidênci­a da República.

A reportagem encontrou casos de candidatos que, mesmo tendo o registro aceito pela Justiça Eleitoral, não apresentar­am os dados financeiro­s nem têm campanha divulgada. Um exemplo é Ariadne Alvarenga (PSL), candidata a deputada federal. Procurada pela reportagem, Ariadne não quis dar entrevista, mas disse que não sabia até o momento que sua candidatur­a havia sido aceita e, por isso, não começou sua campanha.

“Não tenho dinheiro de partido e não quero ter. Um dos meus propósitos é provar que não precisa de milhares e nem de milhões de reais para se eleger. Não sei se vai dar certo, mas estou tentando.”

CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL

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