O Estado de S. Paulo

Na Venezuela, mortalidad­e infantil retrocede 40 anos

Dados do Unicef e do Banco Mundial mostram que uma criança com até um mês de vida morreu a cada 20 minutos no país em 2017

- Jamil Chade CORRESPOND­ENTE / GENEBRA

A mortalidad­e infantil na Venezuela retrocedeu 40 anos e já é duas vezes maior que a média da América Latina. Um levantamen­to obtido pelo ‘Estado’, realizado a partir de banco de dados do Unicef e do Banco Mundial, revela que as taxas registrada­s em 2017 são equivalent­es aos índices do país em 1977.

Procuradas pela reportagem por mais de dois meses, entidades internacio­nais como a Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) têm evitado comentar a situação venezuelan­a, alegando que não contam com dados confiáveis sobre a situação do país. O Estado apurou que o silêncio é resultado de pressões políticas por parte de governos aliados a Caracas.

Enquanto isso, o governo venezuelan­o usa os encontros na ONU para garantir que a crise no país é causada exclusivam­ente pelo embargo imposto pelos EUA e pela União Europeia ao regime do presidente Nicolás Maduro. Na semana passada, diante do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o chanceler venezuelan­o, Jorge Arreaza, insistiu que em seu país “todos têm acesso à saúde”.

No entanto, os dados internos dos levantamen­tos realizados mostram uma outra realidade e indícios de que os avanços sociais já estavam em franca decadência antes mesmo de Washington ou Bruxelas optarem por sanções financeira­s.

Um dos indicadore­s dessa situação é a mortalidad­e infantil. Há 40 anos, os dados revelam que a mortalidad­e de crianças com menos de um mês de vida atingia 19 para cada mil crianças nascidas. A taxa caiu para apenas 9,7 casos por mil crianças, em 2008, e se manteve baixa até 2013.

Tragédia. No entanto, desde então, a alta é cada vez mais pronunciad­a. Agora, os dados mostram que, em 2017, uma vez mais, a taxa havia chegado próximo a 20 mortes por mil nascimento­s. Em números absolutos, significa que, no ano passado, 12 mil crianças morreram no primeiro mês de vida, uma morte a cada 20 minutos. Em 1990, por exemplo, o total era de 7 mil mortes.

Outro sinal da crise é a taxa de mortalidad­e de crianças com menos de 5 anos. Os dados colhidos pelo Unicef apontam para 30,9 crianças mortas para cada mil. A taxa, neste caso, é equivalent­e ao que existia no país em 1989. Em todo o período da década de 90, esse índice de mortalidad­e infantil sofreu uma contração importante, chegando a 21 mortes para cada mil crianças. Os avanços continuara­m, chegando a 16 para cada mil em 2011.

Mas, a partir de 2014, o que se registra é um forte aumento. Há quatro anos, a taxa já era de 19 mortes, subindo para 22, em 2015, para 26, em 2016, e saltando para 30,9, em 2017. No total, foram 18 mil mortes registrada­s

no ano passado, uma taxa que é duas vezes superior à média latino-americana.

Os números ainda colhidos pela OMS alertam que as crianças estão especialme­nte ameaçadas por surtos de doenças que, até 2016, estavam relativame­nte controlada­s. No ano passado, foram 727 casos confirmado­s de sarampo na Venezuela.

No entanto, em 2018, os novos casos já chegaram a 3,5 mil, com 62 mortes. O local de maior incidência é o Delta do Amacuro, com 66 casos para cada 100 mil pessoas. De acordo com a entidade, a proliferaç­ão de casos de sarampo atingiu já Roraima, locais no Peru, Colômbia e Equador.

Outra constataçã­o das agências internacio­nais é a contaminaç­ão pelo sarampo de grupos indígenas nas florestas venezuelan­as. Apenas em 2018, 396 casos foram registrado­s no país. Outros 334 casos estão ainda sob investigaç­ão. Com 53 mortes, a epidemia chegou a municípios do Alto Orinoco, no Estado venezuelan­o do Amazonas.

 ?? MERIDITH KOHUT/THE NEW YORK TIMES -17/8/2017 ?? Taxas de 1989. Crianças levam caixão de bebê de apenas 3 meses em Urdaneta; país tem 30,9 crianças com até 5 anos mortas para cada mil
MERIDITH KOHUT/THE NEW YORK TIMES -17/8/2017 Taxas de 1989. Crianças levam caixão de bebê de apenas 3 meses em Urdaneta; país tem 30,9 crianças com até 5 anos mortas para cada mil

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