O Estado de S. Paulo

Deborah Colker recria o seu ‘Nó’

Espetáculo que fala sobre o desejo estreia hoje em São Paulo

- Ubiratan Brasil

O mais recente trabalho, Cão Sem Plumas, inspirado em poema de João Cabral de Melo Neto, deixou marcas profundas na diretora e coreógrafa Deborah Colker. O trabalho, que lhe rendeu o prêmio Benois de la Danse, apontado como o Oscar da dança, foi pioneiro em sua carreira ao estabelece­r o diálogo com o cinema. “Também me abriu novas perspectiv­as para a presença da dramaturgi­a”, conta Deborah que, a partir desse olhar, reavaliou um de seus antigos trabalhos e que agora volta repaginado: Nó será apresentad­o a partir desta quinta, 20, no Teatro Alfa, em São Paulo.

Lançada em 2005, na Alemanha, e sem ser remontada desde 2012, Nó volta completame­nte transforma­do, com mudanças cenográfic­as e uma trilha sonora que inclui até interpreta­ção vocal. “Nó provocou uma virada na minha carreira, assim como Cão Sem Plumas”, observa Deborah. “Agora, penso mais sobre a duração da cena, ou seja, quanto preciso de tempo para realmente dizer o que pretendo. Cão me trouxe a maturidade necessária para dimensiona­r isso e me aprofundar nos significad­os.”

A coreógrafa acredita que não tinha feito tudo o que precisava com Nó. “Na época da criação, eu determinei cenas que aconteciam simultanea­mente, mas, naquele momento, temia que isso enfraquece­sse a cena. Agora, tenho certeza que isso não acontece.” Segundo ela, Nó fala do desejo – e especialme­nte dos atos que os homens são levados a praticar em nome do desejo. “O corpo é o lugar do desejo. E o corpo erotiza quando dança. Nó tem essa liberdade, mas só agora, 13 anos depois da estreia, é que me sinto mais segura para tratar disso.”

O espetáculo começa com uma árvore posicionad­a no centro do palco. Seus galhos são, na verdade, 120 cordas, que representa­m laços afetivos. Agarrados a essas tranças, os bailarinos se movimentam soltando o corpo, buscando posições que logo transforma­m todos em partes de uma grande floresta. Eles se valem de técnicas como a bondage (uso de cordas para controle da dor e do prazer).

Há uma cena que Deborah acredita ter um potencial de polêmica: uma mulher pede para ser amarrada por um homem e o deixa com liberdade de ação. “Não se trata de submissão, mas do livre-arbítrio”, justifica. “O espetáculo fala da condição humana e, portanto, condena racismo, homofobia, feminicídi­o. Dominação e submissão estão presentes na consciênci­a plena de ambos. Não há liberdade sem dor, não há prazer sem consciênci­a.”

No segundo ato, a companhia dança dentro e em torno de uma grande caixa transparen­te criada por Gringo Cardia, que assina a cenografia. Se as cordas apontam para a natureza, a caixa evoca o mundo urbano. “O desejo e os enigmas começam no corpo e saltam para fora da forma que conseguem”, diz Deborah, que vê tanto em Nó como em Cão Sem Plumas um comprometi­mento com a existência humana.

Com as alterações, o espetáculo ficou ligeiramen­te mais longo – o primeiro ato, por exemplo, tinha 42 minutos de duração e agora soma 59. O motivo, segundo Deborah, foi o reforço que fez na dramaturgi­a. “Uso o gesto para contar uma história e encontrar uma narrativa que não perca o movimento”,

explica.

E foi justamente esse pensamento que a convenceu a trazer a canção cantada para o espetáculo, que já ganhara mais melodias criadas por Berna Ceppas. Agora, Deborah verbaliza o gesto por meio da música. Carne e Osso, por exemplo, canção da banda Picassos Falsos, embala um duo romântico no primeiro ato, que conta ainda com trechos de Ravel e Alice Coltrane. No segundo, despontam pérolas como My One and Only Love, com Chat Baker, Coisa n.º 9, de Moacir Santos, e Preciso Aprender a Ser Só, de Marcos e Paulo Sergio Valle, com a divina Elizeth Cardoso cantando a capela.

“Cão Sem Plumas me apresentou, de uma certa forma, a força da poesia, presente nessas canções que falam da ilusão que temos quando vivemos uma grande paixão”, comenta Deborah, que pretende voltar com o mesmo empenho a outro de seus grandes trabalhos, Tatyana, inspirado em

Eugene Onegin, romance em versos publicado em 1832 por Aleksandr Puchkin.

Por ora, Deborah já se debruça sobre o próximo trabalho,

Cura, que vai nascer depois de uma residência a ser feita em Londres durante três anos. Período em que vai conversar com poetas, cineastas, grupos de trabalho, na capital inglesa. Ela também estuda a possibilid­ade de realizar um filme.

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Floresta. Bailarinos agarram cordas que simulam galhos

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