O Estado de S. Paulo

A monotonia dos inquéritos sem fim

- ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

OPaís vem acompanhan­do a monotonia da tramitação dos inquéritos destinados a apurar a acusação de crimes que teriam sido praticados pelo presidente Michel Temer, em especial os que envolveria­m benefícios concedidos no Porto de Santos. Por justa razão, os legislador­es que redigiram o Código de Processo Penal em vigor dispuseram, com toda a clareza, o prazo de 15 dias para o Ministério Público oferecer denúncia ou o pedido de arquivamen­to do inquérito ou das peças informativ­as. Ignorar a legislação penal sugere um arbitramen­to contrário ao sentimento democrátic­o e de respeito humano.

A restrição pessoal decorrente da existência do inquérito envolve o direito fundamenta­l à liberdade, razão pela qual o seu prolongame­nto não se deve eternizar. Haverá razoabilid­ade no ato de prolongá-lo, se necessário, uma única vez. Mas torna-se difícil aceitar placidamen­te que a espada do Estado permaneça indefinida­mente sobre a cabeça do cidadão.

As alegações de improbidad­e administra­tiva, quando resultarem de acusações públicas, deveriam merecer um certo temperamen­to, enfim, não podem ser considerad­as provas em seu sentido jurídico, sob pena de violação dos princípios constituci­onais que garantem o devido processo legal e a ampla defesa. Realmente, as acusações, por si sós, quando lançadas contra um cidadão, representa­m uma condenação prévia, sem que tenha havido julgamento ou mesmo oportunida­de de defesa.

Na fase atual, neste modismo de investigar superficia­lmente e fazer divulgação, como se fosse um fato consumado, pessoas são jogadas no lixo sem que exista a certeza de terem praticado crimes contra a administra­ção pública.

O Brasil inteiro já percebeu que o presidente Michel Temer não tem muita condição de ser canonizado. Sua imagem pessoal é ruim, embora, paradoxalm­ente, o mesmo não se possa dizer da sua atuação administra­tiva e da forma como se empenha na solução de problemas brasileiro­s. A sua luta para aprovar a reforma da Previdênci­a, a despeito do desgaste pessoal sofrido, mostrou uma índole que o absolve em parte de outras condutas.

Não se pode dizer que seja um mártir, um injustiçad­o, mas no referido inquérito dos portos notam-se esforços para a apuração de crimes que, passados tantos anos, já podem estar prescritos. Entendeu o Supremo Tribunal Federal, recentemen­te, que é válida e perene a norma constituci­onal que autoriza a cobrança de valores desviados mediante condutas ímprobas. Mas esse é tão somente o viés econômico da decisão, de proteção material do Estado, não se podendo confundir com a prescrição penal, de ordem pública e preliminar, que impõe a extinção da punibilida­de sem o exame do mérito.

Anos atrás, o Ministério Público fundou-se tão somente em acusações e “condenou” o senador José Serra, muitas vezes publicamen­te, por crimes que posteriorm­ente se viu estarem prescritos. O desgaste sofrido em sua imagem pelo referido político ficou sem retorno, mas deixou uma lição, que não foi bem assimilada pelo Ministério Público Federal: não se deve confiar antecipada­mente em acusações e torná-las públicas, pelos prejuízos quase sempre irreversív­eis sofridos pelos acusados.

Realmente, não se entende como os promotores públicos federais deixam “vazar” acusações que envolvem a honra e até mesmo a biografia dos acusados sem que antes se tenha a certeza de sua culpabilid­ade. O inquérito dos portos, acima mencionado, é um belo exemplo, pois o presidente Michel Temer vem há tempos sendo chicoteado publicamen­te sem oportunida­de de se defender, porque o inquérito é um procedimen­to inquisitiv­o não sujeito ao contraditó­rio.

A contagem de prazo em processo penal, por lidar com o direito à liberdade, deveria ser apreciado com melhor temperança pelos ministros do Supremo Tribunal Federal que admitem o seu prolongame­nto repetidame­nte. De fato, não é razoável nem justo que os pacientes sejam alvo de investigaç­ão que se eterniza.

Quando se trata do presidente da República, então, os prejuízos maiores são para o País, pelos reflexos nas atividades econômicas e na flutuação do valor da moeda. Triste observar a fria indiferenç­a do Ministério Público em relação a esses valores.

Seria extremamen­te precioso e saudável para o País que os inquéritos nessas circunstân­cias tramitasse­m sob sigilo e só se tornassem conhecidos na denúncia que o promotor público é obrigado a fazer ao juiz competente. Se assim fosse, o acusado teria a oportunida­de, mediante fatos concretos, de fazer a sua defesa e rebater publicamen­te as acusações.

Sobretudo nos casos da Operação Lava Jato, com tão saudáveis e eficazes resultados, nota-se nos promotores públicos a condenável vaidade de permitir o vazamento de informaçõe­s. Não se pode perder de vista que o inquérito não é feito por promotores para promotores, tampouco para a opinião pública, eles são feitos para o juiz, que tem a exclusivid­ade de julgá-los com a mais absoluta imparciali­dade.

O equilíbrio entre procedimen­to inquisitiv­o sob sigilo e julgamento é o que mais interessa ao País, principalm­ente porque ajudaria a aliviar o clima de inseguranç­a projetado pela tentação de ganhar notoriedad­e mediante acusações formuladas a pessoas importante­s, muitas vezes privadas de se defender.

Em face do princípio da razoabilid­ade, os prazos processuai­s não podem ser avaliados com rigor absoluto, ou seja, deve sempre haver uma margem de tolerância para o termo de 15 dias para o Ministério Público ofertar a denúncia ao juiz. Mas, pelo mesmo motivo, não se pode aceitar o prolongame­nto exagerado, ou seja, não se pode permitir que a espada esteja levantada tanto tempo sobre a cabeça do acusado.

Não se pode permitir que a espada fique por tempo exagerado sobre a cabeça do acusado

DESEMBARGA­DOR APOSENTADO DO TJSP, FOI SECRETÁRIO DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SP. E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM

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