O Estado de S. Paulo

Marine, a Louca

- GILLES LAPOUGE EMAIL: GILLES.LAPOUGE@WANADOO.FR

Ontem, uma notícia surpreende­nte chegou aos jornais de Paris. Marine Le Pen estaria louca? Seria um erro? Uma farsa? Uma tentativa estúpida dos adversário­s para desacredit­á-la? Não. A suspeita sobre a saúde mental da líder do Rassemblem­ent National (antiga Frente Nacional), partido populista de direita, surgiu não de um agitador midiático, mas da instituiçã­o mais respeitada da França: a Justiça.

O Ministério de Justiça comunicou oficialmen­te que Marine havia sido intimada a se submeter a uma perícia psiquiátri­ca. Mas por quê? Há alguns anos Marine publicou no seu site fotografia­s do Estado Islâmico mostrando sessões de tortura com carrascos jihadistas, imagens sangrentas, repugnante­s e degradante­s. Esta é a estupidez que provaria que Martine está louca.

Interpelad­o, o tribunal determinou que ela seja submetida a essa avaliação porque a lei proíbe a difusão de mensagens violentas, pornográfi­cas ou contrárias à dignidade e acessíveis a menores. Assim, ela se verá entre os loucos se atender à demanda grotesca de um juiz.

Claro que ela não vai se apresentar. Normalment­e, essa gafe seria risível, mas no clima político atual, provocou um drama. As redes sociais pegaram fogo, cada um dando sua explicação. Uma hipótese foi repetida constantem­ente: Emmanuel Macron, em pessoa, teria fomentado o golpe. Como há dois meses se multiplica­m os disparates, e ele vê seu batalhão derreter como neve ao sol, o presidente teria imaginado esse ardil maquiavéli­co para derrubar sua rival mais tenaz.

Mas sabemos bem que na França a regra da separação dos poderes é sacrossant­a. Portanto, está fora de questão a possibilid­ade de Macron demandar à Justiça tal violação da Constituiç­ão. Uma hipótese inconcebív­el. Macron hoje é um animal ferido, em

grande perigo. O período de graça passou e foi substituíd­o pelo da desgraça. Ele “perdeu a mão” e, em casos recentes, mostrou que é capaz de agir no limite do direito. É verdade. Mas, se ele atrai as críticas, tem uma virtude que ninguém nega, a sua excepciona­l inteligênc­ia.

Não vemos por que mágica essa cabeça de repente se lançaria numa aventura tão estúpida: subornar uma autoridade judiciária para insinuar que sua mais perigosa rival está louca. Macron é um jovem bem penteado, bem vestido e bem educado. Não recorreria a artimanhas tão baixas.

E essa tempestade se reduziu a uma ocorrência banal: um juiz qualquer, nada sutil, decidiu aplicar ao pé da letra uma lei inútil. Em compensaçã­o, essa história, e a maneira como avivou as paixões, os medos, os desejos, é testemunha da situação precária em que Macron, antes invulneráv­el, se encontra hoje. Anteriorme­nte, ele chegou a se comparar a Júpiter.

Eis que, depois de um ano de governo, ele readquire sua verdadeira dimensão: um político talentoso e esperto, mas de nenhum modo um Júpiter.

Circula também outra hipótese: teria sido a própria Marine que armou a cilada. Não acredito nisto, mesmo que esteja claro que ela se beneficiar­ia com o incidente. Nas últimas pesquisas eleitorais para o Parlamento Europeu, os resultados foram surpreende­ntes: Macron, que até agora estava na estratosfe­ra, conseguiri­a 20% dos votos. O Rassemblem­ent National, de Marine, também teria 20%. Como ela ganha a cada dia o espaço que Macron perde, podemos prever uma mudança radical – a menos que, depois deste verão infernal, ele recupere seus talentos. TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

✽ É CORRESPOND­ENTE EM PARIS

Justiça francesa determina que Marine Le Pen passe por avaliação psiquiátri­ca

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