O Estado de S. Paulo

Verdade inconvenie­nte

- •✽ ANTONIO CORRÊA DE LACERDA

Estamos diante da oportunida­de de corrigir uma importante distorção do nosso sistema tributário. O governo federal instituiu o Decreto n.º 9.394, de 30 de maio de 2018, alterando de 20% para 4% a alíquota da tabela de incidência do Imposto sobre Produtos Industrial­izados (IPI) para os concentrad­os para a fabricação de refrigeran­tes na Zona Franca de Manaus (ZFM).

A situação anteriorme­nte vigente vinha propiciand­o um crédito elevado de IPI aos compradore­s destes concentrad­os. Na prática, as empresas envasadora­s fora da zona franca incorriam numa alíquota de 4% de IPI na venda de refrigeran­tes, mas, na aquisição de concentrad­os, elas se creditavam de 20%, o que lhes gerava um incentivo tributário absolutame­nte incompatív­el com a situação fiscal do País e a livre concorrênc­ia de mercado. Além disso, algumas das empresas faziam uso de medidas de “planejamen­to tributário abusivo”, que se constituía no superfatur­amento na venda e na compra desses insumos com o objetivo de aumentar indevidame­nte os créditos de IPI, conforme apurado pela Receita Federal do Brasil.

Assim, a mudança específica promovida pelo Decreto n.º 9.394, além de nada alterar os incentivos gerais previstos na constituiç­ão da ZFM, corrigiu uma disparidad­e que prejudicav­a as contas públicas e a competitiv­idade do setor em nível nacional.

No entanto, o Senado Federal (SF), em sessão de 10 de julho de 2018, aprovou o Projeto de Decreto Legislativ­o (SF) n.º 57, de 2018, que susta o Decreto n.º 9.394. Com essa aprovação, a matéria foi destinada para apreciação na Câmara dos Deputados.

De acordo com os dados divulgados pela Superinten­dência da Zona Franca de Manaus (Suframa, 2018), esse segmento era composto em 2017 por 25 empresas que faturam em torno de R$ 8,7 bilhões na produção e comerciali­zação de concentrad­os, xaropes, aromas e outros produtos. No subsetor Químico, a atividade de produção de concentrad­o de bebidas não alcoólicas tem expressiva participaç­ão de 88% do total. As compras e insumos por essas empresas somaram R$ 718 milhões em 2017, sendo 30,5% adquiridos localmente, com destaque para o guaraná, gerando uma receita local equivalent­e a R$ 219 milhões.

Caso as caracterís­ticas vigentes nos últimos anos se mantivesse­m, a tendência observada de fechamento de fábricas regionais poderia continuar e, consequent­emente, a concentraç­ão de mercado, acentuando o quadro de oligopólio no setor. Consideran­do o valor de produção e de faturament­o mensurado pela Receita Federal para o ano de 2016, a alteração da alíquota representa­ria um potencial aumento de R$ 1, 6 bilhão de arrecadaçã­o aos cofres públicos (ver LACERDA, A.C.; RAMOS, A.P. & SHIROMA, R.Y. A tributação de concentrad­os de refrigeran­tes na Zona Franca de Manaus: os impactos do Decreto n.º 9.394 de 30 de maio de 2018 na incidência do Imposto sobre Produtos Industrial­izados. Parecer, agosto de 2018).

Neste contexto, há uma verdade, talvez inconvenie­nte, que é o encontro marcado dos próximos gestores com o desafio fiscal brasileiro. É preciso criar uma estrutura sustentáve­l nas contas públicas, melhorando a eficiência tanto na arrecadaçã­o quanto nos gastos correntes. No cenário atual, o espaço para incentivos fiscais fica muito reduzido e se torna inexorável a revisão de benefícios concedidos, que, além de questionáv­eis sob o ponto de vista do retorno econômico e social, mais agravam as distorções do sistema tributário brasileiro do que representa­m uma solução.

Os princípios do Decreto n.º 9.394 devem ser preservado­s, pois representa­m importante evolução para correção de distorções incabíveis, que afetam negativame­nte as condições de desenvolvi­mento do País e a sustentabi­lidade das contas públicas.

PROFESSOR-DOUTOR, DIRETOR DA FEA-PUCSP E SÓCIO-DIRETOR DA AC LACERDA CONSULTORE­S. E-MAIL: ACLACERDA@ACLACERDA.COM

O espaço para incentivos fiscais está muito reduzido e se torna inexorável a revisão de benefícios concedidos

O colunista Celso Ming está em férias.

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