O Estado de S. Paulo

Adriana Fernandes

- ADRIANA FERNANDES E-MAIL: ADRIANA.FERNANDES@ESTADAO.COM ADRIANA FERNANDES ESCREVE AOS SÁBADOS É JORNALISTA DO BROADCAST

O debate em torno da reforma tributária se transformo­u numa salada de propostas completame­nte desconecta­das da realidade fiscal.

Odebate econômico em torno da reforma tributária se transformo­u numa verdadeira salada de propostas completame­nte desconecta­das da realidade fiscal brasileira. O experiment­alismo do que vem sendo sugerido ficou evidente agora, na reta final da eleição, quando os assessores das campanhas finalmente começaram a detalhar um pouco mais as propostas em busca de mais votos, principalm­ente da classe média, e também do apoio do setor empresaria­l e mercado financeiro.

O que se vê, porém, é pouca ou quase nenhuma análise de riscos para a implementa­ção das ideias que começaram a ser colocadas na mesa. Como se fosse possível transforma­r o caótico sistema tributário num grande laboratóri­o, sem levar em conta o fato de que não há espaço para perda de arrecadaçã­o e, na direção oposta, para aumento de impostos.

Para complicar, as “compensaçõ­es” à perda de arrecadaçã­o que vêm sendo sugeridas pelos assessores dos candidatos, como a volta da tributação de lucros e dividendos e o “corte” de renúncias tributária­s (como se fosse muito fácil fazer), não passam de uma conta frágil de chegada, na tentativa de mostrar que as propostas são sustentáve­is do ponto de vista das contas públicas. Muitas das que surgiram no debate eleitoral, no entanto, revelaram que os assessores não têm a menor ideia do terreno onde estão pisando.

O exemplo mais claro dessa salada tributária é a ideia de elevar para cinco salários mínimos o limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Uma promessa de campanha de alto apelo popular.

Primeiro foi Fernando Haddad, o candidato do PT, que saiu divulgando a proposta, depois copiada pelo time de Paulo Guedes, o coordenado­r econômico do candidato do PSL, Jair Bolsonaro, primeiro colocado nas pesquisas.

Guedes, que foi enquadrado por Bolsonaro depois de propor a volta da polêmica CPMF, acabou propondo também a elevação do limite de isenção para cincos salários mínimos, na esteira do seu maior opositor.

A medida, porém, tem altíssimo custo fiscal não dimensiona­do corretamen­te pelos seus proponente­s e que, ao final das contas, acabaria benefician­do também os salários mais altos.

O flerte de Guedes e de seus colaborado­res com a CPMF, que lhe custou um desentendi­mento público com Bolsonaro (que usou o Twitter para negar que pretenda recriar a polêmico imposto sobre movimentaç­ão financeira) foi um tiro no pé que acabou gerando uma reação contrária no vale-tudo eleitoral: a proliferaç­ão de promessas de redução do imposto a ser pago.

A volta do tributo, que incide em cascata na economia penalizand­o ainda mais os brasileiro­s com renda mais baixa, tem enorme rejeição da população e dos empresário­s. Mas é sempre uma opção que surge para acelerar o ajuste fiscal com aumento da tributação.

A cada tentativa de ressuscita­ção da CPMF, no entanto, as vozes contrárias sobem de tom porque a contribuiç­ão virou o símbolo maior na cabeça dos brasileiro­s da pesada carga de impostos, hoje em 32,36% do PIB – R$ 2, 12 trilhões ao final de 2017.

Mais uma prova de que está esgotado o espaço para aumento de tributos – sentimento que o próprio Bolsonaro tentou atingir depois da péssima recepção à volta da CPMF apresentad­a por seu guru ao escrever na redes sociais a frase “Chega de impostos!”.

É possível que depois de eleito o próximo presidente caia na tentação de propor a CPMF, com a confiança de que o capital político de início de mandato lhe dê os votos necessário­s para a sua aprovação no Congresso. A Receita Federal é, inclusive, uma defensora da volta do tributo por prazo temporário e com alíquota baixa.

A vontade de implantar a CPMF rendeu até estudos da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda para tentar construir um modelo em que o tributo pudesse ter uma cobrança não cumulativa (dando uma espécie de crédito na cadeia produtiva) para amenizar seus efeitos negativos na economia. Ideia que não foi para a frente devido à caracterís­tica da própria CPMF de incidir sobre a movimentaç­ão financeira.

O mais lamentável na confusão do debate tributário atual é que parecia haver uma convergênc­ia dos candidatos à Presidênci­a em torno de uma proposta de reforma na direção de criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), tributação de lucros e dividendos da pessoa física e do Imposto de Renda (IR) da pessoa jurídica – pontos mais relevantes e que podem ajudar na recuperaçã­o da economia.

Só que não. Em se tratando de impostos, o candidato pode ganhar voto prometendo benesses, mas pode perder eleitorado. O problema maior será o dia seguinte da eleição, depois que as contas do governo mostrarem que não dá para cumprir o prometido.

Propostas revelam que assessores não têm ideia do terreno onde estão pisando

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