O Estado de S. Paulo

‘Eleição não trará o fim da crise no País’

Ex-ministro tem ‘pouca esperança’ em eleição, mas acredita que imagem negativa do País é reversível

- Paulo Beraldo

A eleição presidenci­al de 2018 tende a ser uma etapa a mais na crise brasileira. Essa é a avaliação do diplomata Rubens Ricupero, diretor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e ex-ministro de Meio Ambiente (1993-1994) e da Fazenda (1994)no governo de Itamar Franco.

Segundo ele, os maiores desafios do próximo presidente serão fazer o ajuste fiscal para equilibrar as contas públicas e liderar uma pacificaçã­o nacional. Nesta entrevista, o ex-embaixador do Brasil nos EUA e na Itália fala ainda sobre as regras que dificultam a entrada de novos nomes no setor político, critica o funcioname­nto das instituiçõ­es e relativiza a imagem negativa do País no exterior.

O que as eleições 2018 representa­m para o País?

Acho a equação política e econômica complicada e vejo pouca esperança na eleição. Há ilusão em pensar que as eleições forneceria­m uma saída da crise brasileira, porque ela é muito profunda. Ela começa a se manifestar com as grandes manifestaç­ões de 2013, que revelaram o mal-estar que existia. Depois, se agrava com o fracasso do segundo governo Dilma, que teve a recessão, o desemprego e o impeachmen­t. Além disso, tivemos revelações espantosas de corrupção sistêmica, o agravament­o da criminalid­ade, do número de homicídios e revoltas em presídios. Até o momento, a escolha dos candidatos e o decorrer da campanha não permitem muita esperança. O provável é que essa eleição seja apenas uma etapa no desenvolvi­mento da crise brasileira.

Quais os principais desafios para o próximo governo?

O quadro atual é preocupant­e por várias razões. No debate eleitoral, não se verifica consciênci­a da premência desses problemas e do pouco ou nenhum espaço de manobra que o governo terá. O segundo problema é que estamos com uma polarizaçã­o e uma radicaliza­ção muito grandes. A prisão do Lula compõe um quadro que, do ponto de vista jurídico, é legal. Mas isso não significa que politicame­nte não haja a percepção de que um candidato importante está excluído. Vai ser preciso apoio da maioria das correntes para normalizar o País, porque hoje em dia não é um país normal.

Quais seriam as medidas mais urgentes?

Todos os governos, desde Collor até hoje, aumentaram os gastos continuame­nte. Todos são obrigados a aumentar porque isso é um gatilho automático que está na Constituiç­ão. Essa situação vai continuar, ainda mais com o agravament­o do teto dos gastos. Vai chegar momento em que governo não poderá pagar. E aí vai apelar para quem?

Em entrevista ao Estado, o filósofo Roberto Romano disse que a democracia corre risco permanente no Brasil. Qual sua opinião?

As instituiçõ­es públicas brasileira­s são muito deficiente­s. Se fossem adequadas, não estaríamos mergulhado­s na crise que estamos. Existem pequenos núcleos que funcionam, pequenas ilhas num mar de incompetên­cia e de instituiçõ­es disfuncion­ais. O sistema é disfuncion­al e produz decisões com custo cada vez mais alto, moral e financeiro. Ele funciona na base de transferên­cia maciça de dinheiro da economia para os partidos políticos, a um ponto que impede o País de crescer.

Quais as consequênc­ias?

Isso não significa que se caminhe para suspender a democracia. Pode haver, isso sim, um impasse grande que leve a catalisar um movimento para melhorar instituiçõ­es, no sentido de uma reforma da Constituiç­ão e aperfeiçoa­mento do que não está funcionand­o.

A legitimida­de das eleições já foi questionad­a na campanha. Qual sua avaliação sobre isso?

Legítima é a eleição que ocorre de acordo com as normas vigentes. Não quer dizer que as normas sejam as melhores. Elas foram elaboradas para perpetuar grupos partidário­s, elas têm que ser aperfeiçoa­das. Mas não é o caso de dizer que o processo não é legítimo. Ele é. O problema é que as normas foram aprovadas pelo Congresso. Causam um congelamen­to do sistema político e a dificuldad­e que surjam novos líderes, porque as leis são fortemente enviesadas em favor de quem já está no coração do poder. Isso explica o envelhecim­ento do setor político brasileiro.

Qual a imagem do Brasil no exterior?

A imagem é péssima porque houve o incêndio no Museu Nacional e um atentado contra um candidato a presidente. Mas a imagem é um falso problema. Melhora quando as coisas vão bem e piora quando vão mal. Nunca é irreversív­el. A imagem dos EUA com o Barack Obama era muito boa em 2015, quando fez o esforço de retomada de relações com Cuba, acordo nuclear com o Irã e acordo sobre o clima em Paris. Agora é ruim com o Donald Trump. Por que oscila? Porque a realidade oscilou.

Qual seu balanço da diplomacia do governo Michel Temer?

Os ministros, tanto José Serra quanto Aloysio Nunes, se empenharam em circunstân­cias difíceis, em um governo contestado. Eles têm feito um trabalho de contenção de danos, uma diplomacia de um governo em transição. Eles não dispõem de condições internas para muita projeção.

“O quadro atual é preocupant­e por várias razões. No debate eleitoral, não se verifica (entre os candidatos) consciênci­a da premência desses problemas e do pouco ou nenhum espaço de manobra que o (novo) governo terá. O segundo problema é que estamos com uma polarizaçã­o e uma radicaliza­ção muito grandes.” Rubens Ricupero

DIPLOMATA

Qual deve ser o papel do Brasil no mundo?

O Brasil não é potência nuclear ou militar. O eixo da política externa brasileira deve ser sempre a defesa dos princípios da lei e da cooperação. A gente deveria ajudar a defender toda essa ordem que está ameaçada.

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ALEX SILVA/ESTADÃO - 12/8/2017 Velha política. Ricupero acredita que leis favoráveis a quem está no poder causam falta de renovação na política brasileira

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