O Estado de S. Paulo

‘Ouvi: ‘Vou matar’. Não quero pagar para ver’

Docente já se desligou de Ciep e não pretende mais voltar a Rio das Ostras, após agressão. Mas não desistiu da carreira

- Roberta Pennafort / RIO

Humilhado, ameaçado de morte e agredido de forma racista por alunos de 17 e 18 anos, quando tentava aplicar uma prova na terça-feira, o professor de Língua Portuguesa Thiago dos Santos Conceição teme pela vida. “No vídeo (gravado por um estudante durante o episódio de agressão), dá para ouvir claramente um garoto dizer: ‘Esse aí veio da Nigéria’. Fazem como se fossem brincadeir­as. Mas não são. Tem um ditado popular que diz: ‘Quem ameaça faz’”, disse Conceição, que é negro, ao Estado.

Ele já se desligou do Ciep Mestre Marçal, em Rio das Ostras, a 150 km do Rio, onde ocorreu a agressão. E deixou o município definitiva­mente.

Conceição, de 31 anos, dez de profissão e há sete meses na unidade de ensino, tem enfrentado dificuldad­e para dormir. Chora e se sente impotente por não conseguir exercer sua profissão como gostaria. Enxerga os alunos, que estão no 9.ª ano, como vítimas de um contexto social difícil. “Eu tenho esperança de que esse cenário pode mudar. Acredito na educação.” A seguir, a entrevista:

As imagens do incidente são chocantes. Como tudo começou? Eu estava dando a prova, e os alunos resolveram agir daquela forma, com toda aquela agressivid­ade. Estavam transtorna­dos. Não teve discussão, nada antes. Eu lido com aquele contexto. Eles foram para a sala já com aquele objetivo. Não queriam fazer a prova. Eu pedia para ficarem sentados e em silêncio.

Esse comportame­nto desrespeit­oso e violento é rotineiro? No telefone do garoto tem toda a filmagem dessa e de outras brutalidad­es que eles vêm fazendo. Já aconteceu confusão com funcionári­o da escola em que o guarda deu tapas no rosto de um garoto, e ele revidou. Entrei em fevereiro no Ciep, como temporário. Sabia que seria um ambiente difícil, mas no meio do caminho percebi que seria pior.

Já tinha sido agredido?

Não. Mas acontecera­m violências. Teve o furto de um lanche da minha bolsa. O sumiço de um telefone de um aluno – alguém pegou e ainda não devolveu. Ouvi palavras ofensivas, sofri preconceit­os.

Teme voltar à sala de aula?

Eu fui empurrado, recebi ameaça direta. No vídeo você ouve dizer: ‘Vou matar’. Não quero pagar para ver. Saí de Rio das Ostras e não volto. Mas não quero que (os alunos envolvidos no incidente) sejam expulsos. Tem de haver ação pedagógica, isso sim. São diversos fatores que levaram àquela situação, questão social, negligênci­a dos pais. Não adianta transferi-los de escola, e outro colega passar pelo que passei. Vou continuar lecionando. Agora, quero conseguir uma bolsa para fazer mestrado, continuar a minha formação, talvez na área de políticas públicas em educação, que é minha paixão.

 ?? REPRODUÇÃO ?? O ataque. Para professor, alunos também são vítimas
REPRODUÇÃO O ataque. Para professor, alunos também são vítimas

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil