O Estado de S. Paulo

‘A seleção brasileira existe outra vez’

Aleksandar Petrovic, técnico da seleção brasileira masculina de basquete

- Marcius Azevedo Renan Fernandes

Croata elogia jogadores por entenderem que é necessário mudar o estilo do basquete brasileiro para obter resultados

Perto de completar 60 anos, Aleksandar Petrovic já viveu muitas experiênci­as no basquete, seja dentro ou fora de quadra. Há quase um ano, o croata aceitou o desafio de assumir a seleção brasileira em um momento caótico da modalidade e, apesar de ainda não fincar raízes no País – tem o visto de trabalho, mas, para evitar custos elevados, passa bastante tempo na Croácia –, acredita que atingiu o objetivo de mudar o jeito de jogar do Brasil e que isso será fundamenta­l para o bom desempenho no Mundial da China, em 2019, e para garantir vaga em Tóquio-2020.

Já vê diferença no basquete brasileiro?

Acredito que alguma mensagem chegou. O basquete brasileiro está muito tempo focado em uma forma de jogar. Penso que poucas equipes jogam desta maneira no mundo, muito rápida, sem variações no ritmo, com muitos chutes de três e com pouco jogo de garrafão. No entanto, nos playoffs do NBB, notamos que há equipes focadas na defesa, mais agressivas, que não dependem tanto dos arremessos de longa distância. Mas isso não é minha obrigação. Estou muito contente com os jogadores da seleção, vendo nos treinos como tentam e absorvem a ideia de que não importa olhar apenas o ataque e quantos pontos fazemos. É certo que quando tivermos mais tempo de trabalho posso conseguir mais. Mas posso dizer que estou contente com o jogo que perdemos para o Canadá. Jogamos contra uma equipe que joga em um nível internacio­nal, que vai lutar por medalha no Mundial e fizemos um jogo parelho. Os jogadores estão dispostos a jogar de uma maneira um pouco mais internacio­nal.

Não se trata apenas da escola croata substituir a brasileira? Sou técnico desde 1990, são 28 anos, e cheguei aos maiores clubes da Croácia, trabalhei na Espanha, Itália. O Brasil é minha terceira seleção, estive com a Bósnia e com a Croácia em três oportunida­des. Estive em Jogos Olímpicos, Mundiais, Europeus e sei o que é enfrentar Sérvia, França. É completame­nte diferente do jogo praticado no NBB. Uma coisa te serve para ganhar o NBB, outra é o que vimos nos 40 minutos contra o Canadá. É isso o que precisamos para estar entre os melhores do mundo.

Jogadores como Varejão, Leandrinho e Huertas, todos com 35 anos, vão até o fim do ciclo olímpico em 2020?

Conto com 100% dos jogadores. É um acordo que fiz com os veteranos. Tenho uma boa relação com eles e sempre estamos nos falando por mensagens. Na Croácia, tenho como acompanhar todos os jogos do NBB para ver o Varejão, por exemplo. E, em tempo real, mando mensagens para ele e outros jogadores. Todos estão 100% focados.

A escolha de um estrangeir­o não foi bem recebida por todos... Entendo que em algum momento um técnico pense que poderia estar no meu lugar. Mas, em um processo de turbulênci­a, o Guy (Peixoto, presidente da CBB), precisava de uma pessoa que poderia dar um pouco mais de equilíbrio. Não é um problema que os técnicos pensem que era o momento de um brasileiro. Sou parte de um processo que necessita ganhar tempo para deixar jogadores como Yago, Didi e outros. O Brasil tem um futuro impression­ante. Penso que, em 2020, um brasileiro vai ocupar o meu lugar.

O fato de não ficar muito no Brasil também gerou críticas... Tenho de explicar que o meu contrato diz que não vou morar aqui, tudo aconteceu em um processo onde não havia muito dinheiro. Não vejo problema de estar em Campinas (onde fica hospedado) ou Zagreb. Agora ainda mais porque Vitor Benitez e Augusto Lima jogam na Croácia. Posso vê-los jogar de dois em dois dias. Tenho outros três atletas na Europa. Tenho antena parabólica para acompanhar o NBB. Converso com os meus auxiliares (Cesar Guidetti e Bruno Savignani). Mas vou ficar dois meses no Brasil na janela (das Eliminatór­ias) de novembro.

A CBB deixou de cumprir alguma coisa por causa dos problemas financeiro­s? Acredito muito no Guy. E isso é mais importante do que assinar um contrato e, no fim, não cumpri-lo. Falando com o Guy, não tenho nenhum problema deste tipo. Meu pensamento, agora que vou completar 60 anos, é que já ganhei dinheiro suficiente em minha vida. Dinheiro não me move mais. Inclusive alguns clubes brasileiro­s me procuraram. E eu, como técnico da seleção, não posso dizer sim ou não. Pedi para procurarem o Guy. Mas ele sabe que estou comprometi­do e treinar um clube é diferente, exige um trabalho diário. Guy recusou e foi uma decisão acertada.

O Brasil teve uma boa geração, com Nenê, Splitter, Marcelinho Machado, que ficou marcada por não conseguir um resultado expressivo...

(interrompe)... Essa geração teve um problema muito grave. E esse problema se chama Argentina. No momento em que o Brasil poderia conquistar muitas coisas, a Argentina vem com uma geração um pouco mais forte. Um time com Scola, Ginobili, Nocioni, Prigioni... Essa geração da Argentina cortou bastante a vida de uma geração do Brasil.

Mas, com remanescen­tes daquela geração, o atual grupo pode ganhar medalha no Mundial? O objetivo número um é uma vaga para Tóquio, mas, quando se chega nas quartas de final pela vaga, é uma guerra para entrar na briga por medalhas. Por isso, vou falar mais uma vez do jogo com o Canadá. Fico feliz por ver que estamos jogando um outro tipo de basquete. Após a decepção na Rio-2016 e na Copa América em 2017, podemos dizer que a seleção brasileira existe outra vez.

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JF DIORIO / ESTADÃO Petrovic. Novo estilo para a seleção brasileira de basquete

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