O Estado de S. Paulo

Robin Hood às avessas

- ADRIANO PIRES DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRU­TURA (CBIE)

Ogás de cozinha, a gasolina e o diesel fazem parte de um grupo seleto de produtos que são usados e abusados por diferentes governos para fazer desde políticas sociais até as de controle artificial da inflação, sempre com o viés do populismo. Nos anos de eleição, a discussão sobre a política de preço desses produtos cresce e aparecem inúmeras propostas na tentativa de conquistar o voto. No caso do gás de cozinha, o argumento é sempre de cunho social, pelo fato de 80% da população brasileira usar o botijão para cozinhar – e, se o botijão for caro, a camada de renda mais baixa da população passaria a usar lenha ou, pior, nos centros urbanos, pneus velhos e mesmo garrafas pet. Vamos aos fatos que ocorreram com os preços do gás de cozinha ao longo dos últimos anos e tentar trazer para a discussão uma proposta que beneficie as camadas de renda mais baixa, mas que, ao mesmo tempo, cobre dos demais consumidor­es o preço real do botijão de 13 kg.

O gás de cozinha, destinado para a venda em botijões de 13 kg, teve seu preço nas refinarias da Petrobrás congelado durante todos os governos do PT, ou seja, de 2003 a 2015. Isso promoveu uma perda para a Petrobrás de algo como R$ 35 bilhões – e é bom lembrar que essa perda é em valores nominais, sem qualquer tipo de correção ou atualizaçã­o. Esse subsídio promoveu uma espécie de política que poderíamos denominar de Robin Hood às avessas. Por quê? Porque esse subsídio beneficia todas as famílias brasileira­s, independen­temente da classe de renda, e esse populismo ao extremo acaba gerando mais custos do que benefícios para toda a sociedade. Entre eles, a competição desleal com o gás natural encanado levado às residência­s e ao comércio pelas distribuid­oras estaduais, como, por exemplo, a Comgás, em São Paulo, e a CEG, no Rio de Janeiro. Como corrigir essa distorção, concentran­do o subsídio apenas nas famílias de baixa renda?

A ideia seria criar um vale-gás, não nos moldes do governo FHC, mas sim semelhante ao atual valetransp­orte. Atualmente o preço do gás de cozinha está em torno de R$ 65. Se fosse retirado o subsídio, o preço iria para algo como R$ 80. A proposta seria, por exemplo, que as famílias de baixa renda pagassem pelo botijão de gás R$ 40, metade do preço real.

Primeira pergunta: quem receberia esse benefício? As famílias que estão cadastrada­s na tarifa social de energia elétrica, que hoje são 8,7 milhões. Levando em consideraç­ão que cada família tem em média quatro integrante­s, isso representa­ria 35 milhões de pessoas.

Segunda pergunta, de onde viria o dinheiro do subsídio? É bom lembrar que hoje o gás de cozinha é vendido 20% a 25% mais barato para todo mundo. Quando somente 8,7 milhões de famílias pagarem R$ 40 pelo botijão e o restante das famílias, R$ 80, aí vai aparecer o dinheiro para o subsídio direcionad­o e colocaremo­s um fim na política de Robin Hood às avessas.

Duas informaçõe­s importante­s: a primeira é que o consumo médio de um botijão de gás é de 45 dias, ou seja, o subsídio será concedido a cada 45 dias. Como? Por meio de

O populismo extremo com o gás de cozinha gera mais custos do que benefícios para toda a sociedade

um cartão semelhante ao do valetransp­orte, que será carregado a cada 45 dias com o valor do subsídio. Segundo, o subsídio poderá variar em função do preço do botijão de gás. O preço do botijão será determinad­o pelo mercado, sofrendo todas as pressões, inclusive as do mercado internacio­nal, da taxa de câmbio, assim como funciona hoje para a gasolina e o diesel.

O gasto anual a valores de hoje será algo como R$ 2,3 bilhões/ano, no caso de o subsídio ser a metade do preço do botijão. É bom deixar claro que, ao contrário do que ocorreu na era Lula-Dilma, esses subsídios não serão pagos pela Petrobrás. Assim, estaremos respeitand­o os direitos dos acionistas da empresa. Com essa política clara e transparen­te, ganham a sociedade e o Brasil. Vamos fazer o debate de forma reta, sem preconceit­os ideológico­s, e acabar com o Robin Hood às avessas.

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