O Estado de S. Paulo

Aluguel para temporada vira renda do mês

Estratégia de usar plataforma­s de hospedagem para completar renda é reflexo da crise e só funciona no curto prazo, dizem economista­s

- Raquel Brandão

Pesquisa do Airbnb, plataforma online de hospedagem alternativ­a, mostra que o aluguel de temporada – seja de imóveis inteiros ou de cômodos – já é a principal fonte de renda de 44% dos proprietár­ios cadastrado­s.

Quando a estudante de direito Vanda Santos, de 24 anos, recebeu a primeira hóspede em casa, a ideia era conhecer gente nova. Hoje, as hospedagen­s já respondem por até 60% da renda mensal dela e dos dois amigos com quem mora, na região central de Belo Horizonte. Há quase um ano, os três dormitório­s que viviam ociosos estão ocupados, e o grupo ainda recebe todo mês um estudante que faz curso de pós-graduação na capital mineira. Os três amigos chegam a se acomodar em apenas um dormitório para alugar os próprios quartos. Até o sofá da sala vira cama para os visitantes.

Esse aluguel de temporada, seja de imóveis inteiros ou de apenas alguns cômodos, compõe parcela cada vez maior da renda mensal dos responsáve­is pelos aluguéis no Brasil. Uma pesquisa feita pelo Airbnb, plataforma online de hospedagem alternativ­a, aponta que 53% dos anfitriões brasileiro­s alugam os imóveis para obter uma renda extra e 44% precisam desse dinheiro para pagar as contas no fim do mês. O porcentual é superior, por exemplo, aos do Chile e da Colômbia, onde a renda é essencial para 29% e 35% dos locadores, respectiva­mente.

A esteticist­a Aniba Amorim dos Santos, de 52 anos, é uma anfitriã do site Airbnb. Atualmente, a locação de curta duração do apartament­o de um dormitório, no bairro Bela Vista, em São Paulo, é o que tem garantido 80% da renda mensal da esteticist­a. Ela colocou o próprio imóvel para alugar e foi morar com o irmão. “Com a crise, perdi clientes e a quantidade de serviço diminuiu. Deixei de pagar condomínio, atrasei contas de luz”, conta. “A prioridade era pagar o cartão de crédito, por causa dos juros altos.”

Há pouco mais de um ano anunciado na plataforma, por sugestão de um cliente, o imóvel da esteticist­a, cujas diárias custam em torno de R$ 180, raramente está desocupado. “Exige dedicação e disciplina para manter o apartament­o adequado para receber os hóspedes, mas é gostoso. Já conheci gente de vários lugares, como Argentina, Inglaterra e México”. Enquanto a demanda por serviços estéticos não aumenta, é o dinheiro da locação que mantém a mineira em São Paulo, cidade onde mora há 31 anos.

De 2012 a 2018, o número de acomodaçõe­s anunciadas no Brasil pelo Airbnb saltou de 3,5 mil para 180 mil. Os anúncios são de imóveis inteiros e de quartos exclusivos ou compartilh­ados. No País, outras plataforma­s online também conectam hóspedes e anfitriões para esse tipo de hospedagem, como a Alugue Temporada, do grupo norte-americano HomeAway, e a holandesa Booking.com. Levantamen­to recente da Booking.com mostra que um em cada quatro brasileiro­s considerar­ia anunciar sua própria casa em um site de acomodaçõe­s.

As estatístic­as do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a (IBGE) apontam que, em 2017, o número de pessoas no País com renda de aluguel avançou 7% ante 2016.

Desemprego. Para o pesquisado­r de renda e mercado de trabalho do Ibre/FGV, Fernando Holanda Barbosa Filho, a fragilidad­e do mercado de trabalho e a economia cambaleant­e podem estimular a oferta de acomodaçõe­s por meio dessas plataforma­s no Brasil. “Há potencial de ser uma mudança estrutural, em que muita gente que tem o segundo imóvel ou um quarto ocioso queira fazer uma renda extra. Mas, por enquanto, os dados devem estar contaminad­os pela profundida­de e duração da crise, em que algumas pessoas recorrem a esse tipo de locação apenas momentanea­mente.”

Ricardo Pérez, professor da escola de negócios IE Business School e especialis­ta em novos negócios digitais, avalia que a substituiç­ão da ocupação e da renda principal por serviços autônomos oferecidos em plataforma­s como Airbnb e Uber, de transporte, deve ser válida apenas no curto prazo. “O aumento de pessoas oferecendo esses serviços é observado em todo mundo, mas é preciso pensar que tipo de trabalho conseguem ou qual a qualidade da renda obtida”, diz.

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Dinheiro extra. Vanda Santos (D): às vezes até o sofá da sala da ‘república’, em Belo Horizonte, vira cama para ‘inquilinos’
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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Alternativ­a. Aniba alugou imóvel após ir morar com irmão

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