O Estado de S. Paulo

Constituiç­ão faz 30 anos com mil PECs na fila

Carta está 44% maior do que há 30 anos, quando foi aprovada; maioria das emendas (80,5%) diz respeito a políticas públicas

- Alessandra Monnerat Caio Sartori Igor Moraes

A Constituiç­ão brasileira chega aos 30 anos 44% mais corpulenta e alvo, em média, de uma proposta de emenda a cada três dias. Desde o dia em que Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituin­te, admitiu que ela não era perfeita – “se fosse, seria irreformáv­el” –, a Carta Magna recebeu 99 modificaçõ­es.

A Constituiç­ão – que foi aprovada no dia 22 de setembro de 1988 – ainda é alvo de outras 1.189 propostas de emenda constituci­onal (PECs) que tramitam na Câmara dos Deputados. Outras 2.210 propostas ficaram pelo caminho ao longo das três últimas décadas, de acordo com dados obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação.

As principais mudanças foram feitas nas políticas públicas, que correspond­em a 80,5% das emendas aprovadas. A conclusão está em um estudo inédito feito pelos professore­s Cláudio Couto (FGV-SP) e Rogério Arantes (USP), que será publicado em livro organizado por Naercio Menezes, do Insper. Para Couto, o jogo legislativ­o é normal e reflete caracterís­ticas da nossa Constituiç­ão, que, além estabelece­r regras gerais sobre direitos e funcioname­nto do Estado, versa bastante sobre questões mais ‘emendáveis’. “Já que ela contém tantas políticas públicas, uma consequênc­ia é que você precisa emendar a Constituiç­ão com frequência”, diz o professor.

O levantamen­to dos cientistas políticos dividiu a Carta em “dispositiv­os” – que podem ser incisos ou parágrafos, por exemplo. As emendas que não criam ou alteram políticas públicas, responsáve­is por 19,5% do total, foram classifica­das como “regras do jogo”. Elas podem abarcar questões como estrutura do Estado e direitos individuai­s e políticos, por exemplo.

“Políticas públicas, por sua vez, dizem respeito às ações do Estado idealizada­s para alcançar determinad­os fins, incluindo o de concretiza­r aqueles direitos constituci­onais”, explica Rogério Arantes.

Uma consequênc­ia das modificaçõ­es constantes no texto é a necessidad­e de os governos formarem coalizões robustas. As PECs precisam de três quintos dos votos do plenário para serem aprovadas, enquanto leis ordinárias exigem apenas maioria absoluta (mais da metade).

“É por isso que uma Constituiç­ão com muita política pública torna o ato de governar mais oneroso”, afirma Couto.

Os textos que propõem alterações na Carta ainda precisam passar pela Comissão de Constituiç­ão de Justiça e Cidadania, a CCJC, antes de irem a plenário.

Executivo. Com 25 PECs aprovadas, o Poder Executivo é o que mais emendou a Constituiç­ão. Propostas de emenda só vão adiante se forem assuntos caros à maioria parlamenta­r. No presidenci­alismo de coalizão, o governo é quem costuma ter a maioria.

As outras propostas vieram de fontes pulverizad­as. O senador José Serra (PSDB-SP), com três, é o parlamenta­r com mais sugestões de sucesso legislativ­o. “Naquela transforma­ção da Constituin­te de um projeto parlamenta­rista para uma Constituiç­ão presidenci­alista, deu-se esse superpoder ao presidente da República”, avalia o deputado federal Miro Teixeira (RedeRJ), que foi constituin­te e está na Casa até hoje.

Ao lembrar o processo de concepção da Carta, Miro conta que, naquele contexto pós-ditadura militar, diversos segmentos da sociedade buscavam ter representa­tividade nas discussões. Era comum a pressão em Brasília de grupos específico­s, de donas de casa a cadeirante­s.

“Nós estávamos recém-saídos da ditadura e com medo de nova ditadura. Todos os grupos queriam deixar na Constituiç­ão os seus direitos assegurado­s.” Miro elogia a Constituin­te em oposição à atual composição do Congresso. “O voto era disputado no discurso e no argumento. É incomparáv­el.”

Outro ponto que chama a atenção é a quantidade de propostas que foram apensadas, ou seja, somadas a outras parecidas: 564, que se transforma­ram, na prática, em 273.

Com tamanha quantidade de “retalhos”, Miro Teixeira vê a Constituiç­ão de hoje com mais defeitos que a original. “Eu não diria que a Constituiç­ão acabou, porque ela existe ainda nos direitos individuai­s, nas cláusulas pétreas. A Constituiç­ão de 1988 foi desfigurad­a e ela não era perfeita, diga-se. Mas os seus defeitos foram aumentados.”

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Carta. Ulysses Guimarães presidiu Constituin­te

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