O Estado de S. Paulo

O desgoverno em três programas populistas

- •✽ ROLF KUNTZ ✽ JORNALISTA

Amais otimista e mais errada profecia política dos últimos 30 anos – “pior do que está não fica” – será mais uma vez testada, quando o novo presidente ocupar sua mesa no Palácio do Planalto. A previsão será de novo desmentida pelos fatos se o eleito insistir nas piores ideias apresentad­as pelos candidatos e seus assessores. Várias foram sustentada­s por Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes, os mais pontuados nas últimas pesquisas, ou por seus conselheir­os. As promessas do grupo incluem revogação do teto de gastos, intervençã­o nos juros e no câmbio, protecioni­smo comercial, recriação da CPMF, uso de reservas para abater a dívida pública, revisão da reforma trabalhist­a e menor ênfase à reforma da Previdênci­a. Cada programa combinou apenas alguns desses pontos e nem sempre ficou clara a concordânc­ia entre o candidato e seu conselheir­o. Mas qualquer combinação é tóxica. O palhaço Tiririca, autor, há alguns anos, da famosa profecia, absteve-se até agora de comentar os programas dos três mais cotados para a Presidênci­a.

Os três são populistas, prometem soluções simples para os problemas nacionais e dois deles, Bolsonaro e Ciro Gomes, tentam impression­ar o eleitor com exibições de firmeza. Ciro Gomes compromete­u-se, por exemplo, a controlar a especulaçã­o “com mão de ferro”. Como realizará a façanha? Qual o sentido técnico da palavra “especulaçã­o” nesse discurso? Há mercado sem ação especulati­va? Quem decide – e como – o limite entre a formação “normal” dos preços e a perversão introduzid­a pelo especulado­r malvado? Nenhuma pessoa alfabetiza­da em economia e finanças levará a sério essa promessa, mas ficará certamente preocupada com a bravata voluntaris­ta.

Mas o voluntaris­mo de Ciro Gomes pode aparecer fantasiado com uma roupa mais sóbria. Isso ocorrerá, por exemplo, se for criado para o controle do câmbio um grupo inspirado no Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). Será mais uma enganação. Conduzido com seriedade, o Copom determina a taxa básica de juros, a Selic, a partir de projeções de inflação, dados sobre a atividade recente, informaçõe­s sobre a utilização de recursos produtivos, incluída a mão de obra, e avaliação de riscos externos e internos de vários tipos. Além do mais, há um detalhe fundamenta­l: decisões do Copom afetam a oferta de moeda – e a fonte primária de emissãoéo próprio BC. Mexer no câmbio é muito diferente.

Quando o BC, como tem ocorrido, intervém no mercado de câmbio comprando ou vendendo moeda estrangeir­a, seu objetivo tem sido atenuar as oscilações para evitar turbulênci­as. Não se busca inverter tendências ou manter o câmbio tabelado. Qualquer pretensão maior acabará distorcend­o os sinais dos preços e criando problemas graves, como comprova a experiênci­a de muitas crises. O mesmo voluntaris­mo aplicado aos juros prejudicar­á as decisões de investidor­es, produtores e consumidor­es. A última aventura desse tipo, no governo da presidente Dilma Rousseff, alimentou a inflação, desmoraliz­ou o BC e desembocou numa nova e inevitável fase de aperto monetário.

O voluntaris­mo de dona Dilma poderá retornar, talvez de modo menos atabalhoad­o que em seu governo, se for aplicado o programa de Fernando Haddad, o Lula, ou de Lula, o Haddad. O candidato petista e seu principal conselheir­o econômico propõem oficializa­r um BC com mandato duplo – cuidar ao mesmo tempo da moeda e do emprego. Menciona-se o exemplo do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), para dar aparência de seriedade à proposta. A conversa poderá, como sempre, enganar o desinforma­do e o propenso a comprar bilhetes premiados.

De fato, o Fed tem mandato duplo, mas sua meta de inflação, nem sempre explicitad­a oficialmen­te, é em geral muito baixa. No momento, é uma taxa sustentáve­l de 2% ao ano, superior às verificada­s durante muito tempo. Na prática, o BC brasileiro tem combinado os dois objetivos, emprego e estabilida­de monetária, há muitos anos, embora seu mandato oficial seja mais limitado.

A oficializa­ção do segundo objetivo criará espaço para uma política mais tolerante à inflação. Isso fica evidente quando se escutam os pronunciam­entos, em geral toscos, a favor da mudança. Além disso, o BC só teve de fato autonomia operaciona­l, no período petista, quando foi presidido por Henrique Meirelles, nos governos de Lula. Essa foi a condição imposta por Meirelles, e Lula precisava muito, especialme­nte no primeiro mandato, de uma imagem respeitáve­l. Todo o resto do programa petista combina com o controle voluntaris­ta das ações do BC, com a eliminação do teto de gastos e com a promessa de arrumar as contas públicas sem aperto de cinto e sem reforma ampla da Previdênci­a.

A opção pelas soluções menos sérias e economicam­ente mais custosas inclui a recriação da CPMF, o chamado imposto do cheque, uma das maiores aberrações da história dos tributos. Com a CPMF, o contribuin­te é taxado pelo ato de pagar uma compra – além de ser taxado também pela compra. Recriar essa figura teratológi­ca é parte do programa de Ciro Gomes. O conselheir­o econômico de Jair Bolsonaro também falou sobre isso. Mas o candidato o desautoriz­ou e proclamou como objetivo a redução de impostos. Para decifrar o programa do capitão é preciso mexer num emaranhado de ideias e o esforço pode ser inútil. Resta a promessa de rápida eliminação do déficit fiscal com um grande e muito mal explicado leilão de estatais.

Nenhum dos três candidatos mais cotados tem soluções claras para equilibrar as contas e aliviar a dívida pública. A proposta de usar reservas cambiais para diminuir o endividame­nto é evidente irresponsa­bilidade. A dívida seguirá elevada e voltará a crescer, porque as contas continuarã­o com déficit primário. Além disso, os US$ 380 bilhões de reservas são um precioso amortecedo­r de choques externos. Mexer nesse dinheiro é tornar o País mais vulnerável.

Erros bem conhecidos e desastroso­s estão nos planos dos candidatos mais bem colocados

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