O Estado de S. Paulo

A seis meses do Brexit, Reino Unido vê ameaça de uma ‘tempestade financeira’

Fuga de capitais. Temor de fracasso nas negociaçõe­s com União Europeia faz investidor­es planejarem trocar Londres pelo continente; nesta semana, executivos do JPMorgan anunciaram disposição de transferir entre mil e 4 mil empregos para outros países

- Andrei Netto

No fim de agosto, pescadores franceses e britânicos se engalfinha­ram a 12 quilômetro­s da baía do Sena, em uma luta por um espaço na pesca de vieiras. O episódio serviu como sinal de alerta. Programado para acontecer dentro de seis meses, o Brexit, divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia, já tem consequênc­ias concretas nos dois lados do Canal da Mancha, a começar pela desacelera­ção econômica e a perspectiv­a de uma “tempestade financeira”.

A disputa violenta pelo direito de pescar em águas comunitári­as aconteceu porque pescadores franceses são obrigados a observar a regulament­ação europeia, que limita a pesca de vieiras entre 1.º de outubro e 15 de maio. Os pescadores britânicos não respeitam essa norma.

Dois anos e três meses depois do plebiscito em que 52% dos britânicos optaram pela ruptura entre Londres e Bruxelas, as negociaçõe­s para o divórcio paralisara­m os demais assuntos da agenda bilateral – incluindo a disputa pelas vieiras. Na quinta-feira, dirigentes da UE lançaram um ultimato à premiê do Reino Unido, Theresa May.

No início das negociaçõe­s, Bruxelas fixou três princípios que não poderiam ser violados: Londres teria de pagar a fatura do divórcio, cerca de ¤ 50 bilhões; expatriado­s dos dois lados deveriam receber tratamento digno; e a Irlanda, país-membro da UE, não poderia voltar a ser dividida da Irlanda do Norte, território britânico, por uma fronteira.

Se para as duas primeiras questões houve acordo, para a terceira a situação continua problemáti­ca. A proposta europeia é de que Londres aceite manter a Irlanda do Norte na área de mercado livre. May não aceita, mas tampouco oferece uma proposta convincent­e para resolver o impasse irlandês.

O resultado é que as chances de um “Brexit duro”, sem acordo entre Londres e Bruxelas, crescem dia a dia. Se isso acontecer, analistas preveem uma “tempestade financeira”, que causaria um choque bem além da Europa. Uma crise aguda na economia

britânica, a sexta maior do mundo, teria impacto sistêmico no cresciment­o mundial.

Parte da tormenta deverá acelerar um movimento em curso: a fuga de investidor­es da City, o centro financeiro britânico. Nesta semana, o JPMorgan anunciou a disposição de transferir entre mil e 4 mil empregos para o continente. Segundo o Banco da Inglaterra, 10 mil postos de trabalho em serviços financeiro­s poderão ser transferid­os a partir do primeiro dia de Brexit.

Na sexta-feira, a Airbus disse que uma separação sem acordo a faria deixar o Reino Unido. Economista­s do banco Barenberg citados pela rede CNN estimam que a economia britânica perdeu até US$ 46 bilhões em produção entre o primeiro quadrimest­re de 2016 e o primeiro de 2018. O desemprego britânico é o menor em décadas, mas a média salarial caiu desde o plebiscito.

Na segunda-feira, a diretora

do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), Christine Lagarde, advertiu que um divórcio sem acordo terá “custos substancia­is” para a economia do Reino Unido, muito piores do que as perspectiv­as de cresciment­o atuais, de 1,5%, em 2018 e 2019: -0,8% e 0,6%, respectiva­mente. Analistas da consultori­a PwC estimam que o custo da perda de atividade vai chegar a ¤ 129 bilhões, com 950 mil empregos a menos até 2020 – o que representa uma taxa de desemprego entre 2% e 3% maior que a atual.

Segundo a Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), um desligamen­to sem acordo de livre-comércio entre UE e Reino Unido deve causar perdas de ¤ 7,2 bilhões em barreiras aduaneiras que castigarão os exportador­es britânicos.

Somadas, as consequênc­ias econômicas significam mais pobreza no Reino Unido. Relatório do Tesouro britânico indica que cada família deverá perder em média ¤ 5,4 mil por ano em função do divórcio, porque o PIB do país será até 6% menor do que poderia ser em 2030.

O cenário negativo para todos os lados acontece, segundo o ex-ministro britânico Denis MacShane, porque o impasse em torno do Brexit paralisou as instâncias políticas britânicas. “Toda a política está bloqueada e o governo não pode fazer nada”, diz o ex-ministro, opositor do divórcio. “Creio que o país vai em direção ao abismo se continuarm­os com o Brexit.”

 ?? NEIL HALL/REUTERS - 21/1/2016 ?? Colateral. Banco JPMorgan pode iniciar movimento de fuga de investidor­es da City: separação afetaria perspectiv­as de cresciment­o do Reino Unido
NEIL HALL/REUTERS - 21/1/2016 Colateral. Banco JPMorgan pode iniciar movimento de fuga de investidor­es da City: separação afetaria perspectiv­as de cresciment­o do Reino Unido

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