O Estado de S. Paulo

Monica de Bolle

- E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Com Haddad ou Bolsonaro, é provável que o Brasil fique ingovernáv­el, dada a rejeição a ambos.

Apesar do título, esse artigo não é sobre o prisioneir­o mais famoso do País, aquele que está enclausura­do em Curitiba. Quem conhece um pouquinho de teoria dos jogos, ou quem assistiu ao filme sobre a vida do matemático John Nash (“Uma Mente Brilhante”), talvez se lembre do também famoso dilema dos prisioneir­os. Imaginem a situação: dois suspeitos de um crime são presos e colocados em celas separadas. A cada um é dada a seguinte opção: caso um confesse e o outro não, aquele que escolher cooperar com a polícia receberá pena de apenas 1 ano de prisão, enquanto o companheir­o silencioso cumprirá 5 anos de cadeia. Portanto, se ambos confessare­m, ficarão presos por 1 ano. Se ambos escolherem manter o silêncio, os dois podem ser soltos. Contudo, como não podem se falar, não há como coordenare­m o silêncio. Cada um tem de tomar a decisão sobre cooperar com a polícia ou não de forma independen­te. O silêncio é, portanto, a mais arriscada das opções, pois se o parceiro decidir confessar, são 5 anos de cana. A estratégia dominante – o chamado equilíbrio de Nash desse jogo – é cada preso confessar o crime, ambos recebendo, portanto, pena de 1 ano na cadeia.

O dilema dos prisioneir­os mostra que na ausência da possibilid­ade de cooperação, as escolhas individuai­s acabam determinan­do resultado pior do que o alcançado fosse a colaboraçã­o dos presos possível: em vez de serem soltos, ambos são encarcerad­os por um ano. O que isso tem a ver com as escolhas que se apresentam para os eleitores brasileiro­s? Considerem­os os votos anti-Bolsonaro e anti-Haddad.

Para os anti-Bolsonaro, o pior dos mundos é Bolsonaro ganhar, de modo que estão dispostos a votar em Haddad – ainda que somente em última instância, ainda que não declarem esse voto abertament­e. Com o perdão pela ligeira digressão, creio que já estamos em território onde as pesquisas de opinião não captam os votos ocultos em Haddad, enquanto o voto pró-Bolsonaro entre moderados – isto é, entre aqueles para quem Bolsonaro não é a primeira opção de voto – parece sair do armário em números cada vez maiores. Voltando ao raciocínio: o mesmo ocorre com os votos anti-Haddad/anti-PT. Para esses, o pior dos mundos é Haddad vencer, portanto estão dispostos a dar seu voto ao capitão. Essas estratégia­s, lembram, portanto, o resultado do dilema dos prisioneir­os: cada um votando individual­mente para evitar o seu pior cenário acaba por levar a um resultado pior do que se pudessem coordenar. Evitar esse quadro perverso necessitar­ia que as pessoas escolhesse­m de forma coordenada uma terceira via, outro candidato ou candidata com chances de tirar do páreo um ou outro dos candidatos de repúdio. Tal coordenaçã­o seria facilitada se os candidatos de centro se unissem em torno de um único nome.

Como Bolsonaro parece ter se consolidad­o no primeiro lugar, o voto que cumpriria tal papel seria a escolha do candidato melhor posicionad­o para tirar o PT da disputa. Caso tal candidato conseguiss­e vencer no primeiro turno, estaria esvaziado o voto anti-PT que hoje arregiment­a tanta gente, possivelme­nte evitando a vitória de Bolsonaro e, portanto, o pior dos mundos para os anti-Bolsonaro.

Vença Haddad ou Bolsonaro, o mais provável é que o Brasil fique ingovernáv­el, dada a profunda rejeição a ambos

Contudo, a política funciona como o dilema dos prisioneir­os, sem mecanismos de coordenaçã­o. Que fique claro: com o voto de repúdio, eleja-se Haddad ou Bolsonaro, o mais provável é que o Brasil fique ingovernáv­el, dada a profunda rejeição a ambos. Dificilmen­te sairiam do papel reformas para controlar o déficit público e nossa dívida galopante. Provavelme­nte teremos, mais brevemente do que muitos gostariam de imaginar, intensas turbulênci­as financeira­s, fuga de investidor­es, e resultados econômicos desastroso­s em situação na qual a economia já está bastante debilitada. A inflação deve subir, com ela o desemprego – a chance de que aumente o mal-estar da população brasileira no ano que vem sobe com cada nova pesquisa de opinião.

Caminhamos, tontos e confusos, de olhos fechados e narizes tapados, para o cadafalso. Trata-se disso que estamos a escolher. Desse modo, tornamo-nos prisioneir­os de nós mesmos por termos nos rendido com tanta facilidade aos extremismo­s, aos argumentos rasteiros, e à histeria coletiva. É com esse dilema que teremos de conviver, ganhe quem ganhar – Haddad ou Bolsonaro, pouco importa.

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