O Estado de S. Paulo

Argentina tem dia de greve; chefe do BC cai

Caputo cai três meses após assumir e é substituíd­o por Sandleris, o número dois da Fazenda; greve paralisa o país que negocia com o FMI

- / LUCIANA DYNIEWICZ e NICHOLAS SHORES

Em meio a uma renegociaç­ão com o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), a uma greve geral e com o presidente do país a 8,5 mil quilômetro­s de distância, o presidente do Banco Central da Argentina, Luis Caputo, renunciou ontem ao cargo, três meses após assumi-lo, alegando razões pessoais. O número dois do Ministério da Fazenda, Guido Sandleris, assumiu o comando da autoridade monetária afirmando, em nota, que o objetivo principal do BC é reduzir a inflação e que trabalhará para “recuperar a estabilida­de e previsibil­idade de preços de que a economia argentina tanto precisa”.

Em Nova York, onde participa da Assembleia-Geral da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU) e renegocia com o FMI, o presidente Mauricio Macri minimizou a mudança no BC, dizendo que a renúncia já havia sido acertado entre eles. “Sabíamos que, quando a situação se estabiliza­sse, Caputo deixaria o cargo, pois não tinha vocação para exercê-lo. Foi um gesto patriótico (comandar a autoridade monetária).”

Apesar das justificat­ivas oficiais, o desentendi­mento entre Caputo e o ministro da Fazenda, Nicolas Dujovne, foi um dos reais motivos para a renúncia, segundo a imprensa argentina. O economista sênior para a América Latina da Oxford Economics, Carlos de Sousa, disse ao Estadão/Broadcast que, nos bastidores, o pedido de demissão de Caputo foi atribuído ao seu desejo de adotar bandas cambiais no país, sistema ao qual o FMI teria resistênci­a.

A mudança no BC é mais um capítulo da crise argentina. Com altos déficits fiscal e corrente, o país vem sofrendo uma fuga de capitais que já obrigou Macri a pedir socorro ao FMI, elevar a taxa de juros de 27,5% para 60% neste ano e eliminar metade de seus ministério­s. O primeiro presidente do BC do governo Macri, Federico Sturzenegg­er, também acabou sendo obrigado a renunciar.

Recepção. A queda de Caputo foi recebida de modo negativo pelos economista­s do BTG Pactual na Argentina. Em relatório, o banco afirma que a mudança reforça a influência da Casa Rosada sobre o Banco Central e lembra que Sandleris foi um dos nomes por trás da decisão de relaxar as metas de inflação para 2018, medida mal recebida pelo mercado financeiro e tida como uma das desencadea­doras da crise em que o país mergulhou. “Nossa visão é que a política monetária (a partir de agora) será moldada pelo acordo com o FMI, mas esperamos taxas de juros mais baixas, deixando a meta de inflação para trás”, escreveu a economista Carolina Gialdi.

O economista Alberto Ramos, do Goldman Sachs, também vê uma tendência de redução na taxa básica de juros, o que implicaria menor controle da inflação. Hoje, o juro básico da Argentina é de 60%, o maior do mundo, e estimativa­s apontam para um a inflação superior a 40%. Ramos aposta ainda em uma menor intervençã­o no câmbio. “Caputo gostava de interferir bastante no mercado, um estilo que possivelme­nte não agradava ao FMI nem à Fazenda.” Para o economista, porém, a chegada de Sandleris ao BC “levanta esperanças”, pois pode resultar em uma redução dos atritos entre Casa Rosada e autoridade monetária. Após a renúncia de Caputo, o FMI informou que seguirá com um relacionam­ento próximo ao BC argentino. “Estamos ansiosos para continuar nosso relacionam­ento próximo e construtiv­o com o Banco Central da república Argentina, sob a liderança de Guido Sandleris”, afirmou o órgão em comunicado.

O governo Macri negocia um aumento do pedido de empréstimo de US$ 50 bilhões acertado, em junho, com o FMI. Segundo a imprensa argentina, o valor extra deverá ficar ao redor de US$ 3 bilhões. As condições para liberação da quantia devem ser anunciadas hoje.

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DAVID FERNÁNDEZ/EFE Dia tenso. Greve geral paralisou a Argentina ontem; protesto provocou cancelamen­to de voos no Brasil para o país vizinho
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EFE

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