O Estado de S. Paulo

A Constituiç­ão para o futuro

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A Constituiç­ão precisa acompanhar a evolução do País com texto mais enxuto, preciso e perene.

Apassagem dos 30 anos de promulgaçã­o da Constituiç­ão de 1988, no próximo dia 5 de outubro, mais do que uma efeméride, deve servir para que a Nação reflita profundame­nte sobre o país que foi construído sob sua égide no período e o Brasil almejado para o futuro.

A pergunta que deve ser feita por todos os cidadãos brasileiro­s é: a Carta Política que nos serve há três décadas mantém o vigor para nos levar adiante, é capaz de responder aos desafios destes tempos ou, tal como âncora de arrasto, nos mantém presos ao atraso, vítimas de seu anacronism­o? A segunda hipótese é a correta.

É imperioso reconhecer que nossa Lei Maior cumpriu bem o seu papel de servir como o grande marco jurídico-político do restabelec­imento da ordem democrátic­a no País depois de mais de duas décadas de ditadura militar. Sob o comando da Carta de 1988, os brasileiro­s voltaram a viver em paz com instrument­os comezinhos da democracia, como eleições diretas, liberdade de imprensa, liberdade de manifestaç­ão e oposição livre.

O sentido da chamada “Constituiç­ão cidadã” está na liberdade que ela dá para que a sua vitalidade seja discutida por cada um e por seus representa­ntes no Congresso Nacional, na medida em que seu texto prevê os casos, ritos e quórum para que seja modificada.

No entanto, as virtudes da Constituiç­ão não têm, por si sós, o condão de esconder as muitas distorções contidas em seus 250 artigos, mais 114 artigos das Disposiçõe­s Transitóri­as, o que a torna a segunda maior constituiç­ão do mundo, perdendo apenas para a da Índia. Algumas das distorções são absurdas desde a origem. À guisa de exemplo, tome-se o parágrafo 2.º do art. 242, que determina que “o Colégio Pedro II, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federal”. Ora, não é necessário qualquer conhecimen­to jurídico formal para anuir que se está diante de uma exorbitânc­ia.

Este é apenas um exemplo pitoresco da gordura da Constituiç­ão de 1988 que precisa ser enxugada para que o País possa trilhar o caminho do desenvolvi­mento econômico e da justiça social. A propósito, durante o Fórum Estadão – A Reconstruç­ão do Brasil, em março deste ano, Nelson Jobim, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, afirmou que “a Constituiç­ão precisa passar por uma lipoaspira­ção”. De fato, precisa.

Como está, a Constituiç­ão inviabiliz­a qualquer tentativa de racionalid­ade fiscal e, desta forma, tolhe a liberdade de ação dos gestores públicos, nas três esferas de governo, no sentido de implementa­r ações que julguem mais prementes. As rígidas vinculaçõe­s orçamentár­ias determinad­as por dispositiv­os constituci­onais, não raro, acabam por produzir efeitos bastante nocivos ao País.

Os constituin­tes, no afã de restabelec­er direitos, em muitos casos legislaram para proteger com a carga da tinta constituci­onal interesses que passam longe do interesse público. É o caso, por exemplo, do tratamento para lá de benevolent­e dado às questões relativas às corporaçõe­s de funcionári­os públicos.

A desvincula­ção das receitas da União e a imposição de um teto para os gastos públicos são duas importantí­ssimas alterações constituci­onais que foram aprovadas recentemen­te. Ambas evitam um colapso fiscal imediato, mas não dão organicida­de ao texto resultante.

A Constituiç­ão é prolixa. Em seu texto vão disposiçõe­s que, quando muito, deveriam estar previstas em leis ordinárias. E pior: são muitos direitos para poucos deveres, quase sempre desacompan­hados dos meios materiais para sua execução. É como se a Carta Magna tivesse sido redigida durante o sonho de uma noite para a qual não houve, ainda, o amanhecer da realidade. Passa da hora de o País despertar para um novo marco jurídico-institucio­nal que dê conta dos desafios que se impõem diante da Nação no século 21.

O Brasil que promulgou a Constituiç­ão de 1988 não é mais o mesmo. Não há razão, portanto, para que a Carta Magna deixe de acompanhar a evolução do país a que serve com um texto mais enxuto, preciso e perene.

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