O Estado de S. Paulo

A falácia do voto útil e a defesa do voto autêntico

- ALEXANDRE NAGHIRNIAC E CARLOS LOPES

Há tempos não tínhamos uma eleição tão disputada e incerta. Por isso a política tem permeado as rodas de conversa. O descontent­amento com a política tradiciona­l e o desconfort­o com a situação econômica e social do País impulsiona­m um forte desejo de mudança dos eleitores, seja na esperança de resgatar a bonança econômica da década passada ou de acabar com a corrupção, tida como a principal causa da ineficiênc­ia dos serviços públicos.

A eleição presidenci­al de 2018, que terá o maior número de candidatos em 29 anos, parece indefinida. Tem sido comum ouvir o argumento de que votar em alguém que não tem chances de ir para o segundo turno equivale a jogar o voto fora. Ou de que é melhor votar em determinad­o candidato, em vez do de sua preferênci­a, para evitar um embate indesejado no segundo turno. Essa forma de pensar está por trás do conceito conhecido como “voto útil”, ou “voto tático”.

Individual­mente, pensar no nosso voto como algo que pode fazer a diferença não é racional, afinal, nem o simples ato de votar o é. Em 1957, o economista político Anthony Downs procurou descrever a racionalid­ade por trás do voto. Hoje, com base em seus estudos, descrevese a motivação racional para votar como o benefício esperado do voto – ou o benefício do resultado do pleito para um eleitor ponderado pela probabilid­ade de seu voto alterar o resultado –, somado a um certo senso de dever cívico do eleitor, menos os custos de votar.

Com 147 milhões de eleitores aptos ao sufrágio este ano, a probabilid­ade de um único voto fazer a diferença é desprezíve­l. Além disso, há custos associados ao voto, como deslocamen­to, filas ou mesmo a oportunida­de de usar o mesmo tempo para outras coisas. Como um único voto é insignific­ante numa eleição ampla, o benefício esperado para cada eleitor também é teoricamen­te nulo, enquanto os custos são significat­ivos.

A experiênci­a mostra, por exemplo, que o comparecim­ento é maior em disputas apertadas (efeito competição), nas quais o eleitorado sente ter um papel mais importante na influência do pleito em determinad­a direção.

O raciocínio do voto útil é justamente esse. Aceita-se a escolha de um candidato pior do que aquele visto como ideal com o objetivo de influencia­r o resultado.

A ciência política mostra evidências empíricas de que há um comportame­nto estratégic­o dos eleitores em diversas eleições e que os resultados são compatívei­s com o previsto por modelos de votação estratégic­a. A decisão particular de agir estrategic­amente, quando agregada, acaba dando efetividad­e à teoria do voto útil, porém levando a resultados muitas vezes piores do que os que seriam atingidos caso todos votassem de acordo com suas preferênci­as originais.

Quando a sociedade deixa em segundo plano a reflexão sobre qual é o candidato que melhor a representa, acaba por reforçar a classe política tradiciona­l e a manutenção do status quo. Algumas observaçõe­s sobre o voto útil dão suporte a esse argumento.

Primeiro, é um voto imediatist­a. Quem vota dessa forma tem o foco exclusivam­ente na eleição em questão, subestiman­do seus diferentes efeitos no longo prazo. Entretanto, eles existem. Não é por acaso que, mesmo após inúmeros escândalos de corrupção, a política continue sendo conduzida pelos mesmos políticos, pelos mesmos grupos, pelos mesmos sobrenomes. O imediatism­o enfraquece o processo de renovação política ao ser um incentivo para que partidos indiquem nomes conhecidos, uma vez que esses têm maior possibilid­ade de capturar o voto útil.

O objetivo do voto não pode ser unicamente o de eleger. Cada voto recebido serve de motivação para que o receptor continue defendendo as suas ideias. Quando agregado, o voto autêntico dá maior notoriedad­e àquele com quem as pessoas se identifica­m, favorecend­o sua posição numa eleição futura.

Outra caracterís­tica do voto útil é que ele é defensivo, dado a alguém que não era inicialmen­te a opção preferida. Ou seja, escolhe-se o nome com mais chances de vencer, e não o que tem as propostas mais alinhadas com a sua preferênci­a. Isso enfraquece o debate sobre as agendas de governo, dificultan­do a cobrança da sociedade sobre as realizaçõe­s do candidato durante o eventual mandato.

Sabendo disso, o objetivo do político tradiciona­l é subir nas pesquisas rapidament­e no início da eleição, pois isso lhe possibilit­a capturar parte do voto útil. Dessa forma, sobram propostas rasas e impraticáv­eis, ataques levianos a adversário­s e discursos demagógico­s. Propostas reais e concretas são pouco discutidas, o que reduz substancia­lmente o compromiss­o dos candidatos eleitos com suas promessas de campanha. Além disso, um candidato eleito com base em apenas uma bandeira ou proposta superficia­l, ao chegar ao poder, não tem legitimida­de para aprovar as reformas que de fato são necessária­s para o País, pois não teve um diálogo claro e honesto com o seu eleitor.

Quem está descontent­e com o provável resultado da eleição promove o voto útil como saída, mas pode ser vítima da própria tática ao longo do tempo.

Se quem adota o voto tático o faz por acreditar que pode fazer a diferença positiva nos resultados, deveria pesar esses outros impactos em sua estratégia. É verdade que a insignific­ância de um único voto pode limitar esses efeitos benéficos do voto autêntico em longo prazo. Por isso a opção pelo voto autêntico deve ser amplamente propagada e defendida por aqueles que por ele se decidirem, de forma a influencia­rem outros eleitores nessa mesma direção. A conscienti­zação dos eleitores quanto a seus potenciais benefícios permitiria, aos poucos, desconstru­irmos a falácia do voto útil.

O voto autêntico é a decisão mais racional a tomar e a melhor forma de imprimir novos valores à política.

O sufrágio mais racional é a melhor forma de imprimir novos valores à política

RESPECTIVA­MENTE, CONSULTOR INDEPENDEN­TE COM MBA NA HARVARD BUSINESS SCHOOL E ECONOMISTA DO BANCO VOTORANTIM, MESTRE EM ECONOMIA PELO INSPER

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