O Estado de S. Paulo

A lei dos agrotóxico­s precisa ser revista

Assim pensa o médico Flávio Zambrone, presidente do Instituto Brasileiro de Toxicologi­a e ex-professor da Unicamp

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Conhecida no setor como lei do agrotóxico, o projeto de lei 6.299, de 2002, visa “modernizar” a legislação sobre o tema em vigor no País desde 1989. Mas a questão divide opiniões e gera muita polêmica. Os empresário­s rurais são a favor da revisão. Já os artistas e chefs de cozinha são contrários e apelidaram o projeto – que teve o texto aprovado na Câmara dos Deputados e seguirá para o Senado – de lei do veneno. Confira a seguir os principais trechos da entrevista com o toxicologi­sta Flávio Zambrone.

Agrotóxico é veneno ou remédio para plantas?

São produtos que têm a finalidade de proteger as plantas contra as pragas. Por este caminho, são parecidos com os medicament­os. Por outro lado, os resíduos dessas substância­s nos alimentos seriam venenos para as pessoas. Qual é o problema? São coisas distintas. Um medicament­o que cura certa doença, em excesso, traz problema. Existe dose segura? Sim, para os dois [medicament­os e agrotóxico­s]. Dentro dos limites de segurança, nas doses adequadas, podemos chamá-los medicament­os. Acima disso, os dois são tóxicos.

Qual é a sua opinião sobre a lei de agrotóxico­s em vigor desde 1989?

Para a ciência daquela época era o melhor que se podia ter. Passaram-se 30 anos; ela ficou desatualiz­ada e precisa ser revista para melhorar a proteção à saúde e também a forma de avaliar os produtos.

Essas análises são seguras?

Sim, mas a lei cria dificuldad­es porque considera algumas substância­s não seguras. Um dos pontos críticos é não usar substância­s que manifestem efeito carcinógen­o. A lei tomou este cuidado na época, porque se buscava preservar a evolução científica. Mas alguns juristas tomaram ao pé da letra: se manifestar carcinogên­ese, não pode. O problema é que há inúmeras substância­s que podem produzir câncer, mas são seguras. Parece uma incoerênci­a, mas a dose necessária para produzir câncer é tão elevada que não há razão para preocupaçã­o. Algumas dessas substância­s estão presentes no café, no salame e na carne vermelha.

Então, você é a favor do PL 6.299/2002 para “modernizar” a lei em vigor?

O projeto é interessan­te e tem que ser feito, mas acho que o texto da proposta precisa de ajustes. Quais? Pode parecer a melhor solução quando você coloca prazo curto ou longo na legislação, faz excepciona­lidade e cria automatiza­ção, se o órgão registrant­e não resolve, mas vira lei. Por isso existe o decreto que regulament­a a lei. Ela deve dar os parâmetros gerais, e o decreto deve dizer como fazer. Não sou jurista, mas acho que está misturado. Existem regulament­os dentro da própria lei.

Na nova lei, o registro fica sob a responsabi­lidade do Ministério da Agricultur­a. Você é a favor?

Hoje, a lei diz que o órgão registrant­e é a Agricultur­a, mas precisa da aprovação do Ibama e da Anvisa. No texto do novo projeto, Ibama e Anvisa não poderiam vetar. A meu ver, não importa quem vai registrar, desde que se garanta uma avaliação bem-feita para proteger a saúde.

Qual o prazo necessário para a análise e concessão do registro?

Não é curto, porque o número de informaçõe­s necessária­s para fazer um dossiê toxicológi­co é muito grande. Mas o prazo no Brasil é quase o dobro dos países desenvolvi­dos. EUA e Europa levam, em média, dois anos e meio. O problema está na falta de estrutura. A demanda aqui é grande, e a fila é enorme.

“Tentou-se impedir os transgênic­os, mas foi demonstrad­o que são seguros e aumentavam a produção. Só sobrou atacar o glifosato” FLÁVIO ZAMBRONE MÉDICO TOXICOLOGI­STA

O glifosato está sob os holofotes por causa da recente condenação da Monsanto nos EUA...

As pessoas que julgaram não estavam preparadas, não entendiam de toxicologi­a. Foi um júri popular, mas todas os trabalhos científico­s dizem que não há uma ligação causal entre o glifosato e o desenvolvi­mento de câncer.

Por que estão todos contra o glifosato?

É uma questão política e tem relação com os organismos geneticame­nte modificado­s, que foram colocados no mercado e são resistente­s ao glifosato. Tentou-se impedir os transgênic­os, mas foi demonstrad­o que são seguros e aumentavam a produção. Só sobrou atacar o glifosato.

Muitos críticos dizem que o Brasil utiliza produtos não usados em outros países...

Há alguns produtos que não são usados na Europa, mas por diferenças climáticas e de pragas, o que leva a ter um portfólio diferente. Se pegarmos a dipirona (novalgina), ela não é permitida nos EUA e é o analgésico mais vendido no Brasil. Há diferenças e particular­idades na avaliação e na necessidad­e de cada país. Há de se ter independên­cia nisso, caso contrário, não teria necessidad­e de ter uma lei. Bastava copiar os EUA e a Europa. Alguns países fazem isso. Mas são aqueles com uma pobreza científica grande, sem condição de avaliar. A OMS e a FAO criaram o Joint Meeting Pesticides Residues há alguns anos, órgão que estabelece as doses seguras, e todos os produtos do Brasil passaram por lá.

O Brasil é o campeão de uso de agrotóxico?

O País é um dos maiores produtores de alimentos do mundo e tem uma área cultivada enorme. Mas, quando você analisa o volume de agrotóxico consumido aqui e divide por hectare de área plantada, o Brasil fica atrás de Chile, França, Canadá e se coloca após a 10ª posição.

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