O Estado de S. Paulo

Rei do samba-canção, Tito Madi morre no Rio

Com sucessos como ‘Balanço Zona Sul’ e ‘Chove Lá Fora’, cantor e compositor nascido em SP tinha 89 anos

- Roberta Pennafort / RIO

Rei do samba-canção e precursor da bossa nova, o cantor e compositor Tito Madi morreu na manhã de ontem, no Rio, aos 89 anos. Ele estava internado havia duas semanas no Hospital São Lucas, em Copacabana, em decorrênci­a de uma pneumonia e de problemas renais. Madi estava consciente, de acordo com a filha, Carmem Maddi Bulcão, e feliz com o novo CD de Nana Caymmi, com seu repertório. Ele ainda deixou músicas inéditas; entre elas, parcerias com Paulo César Pinheiro – duas serão gravadas por Aurea Martins.

“Pouco antes de se internar ele teve essa grande alegria, que foi receber o CD da Nana com músicas dele. Foi uma cópia inacabada que o produtor levou. Ficou muito realizado”, contou Carmem. Madi teve um acidente vascular cerebral em 2008, e desde então se deslocava de cadeira de rodas. Segundo a filha, ele gostava de rememorar em casa momentos do auge da carreira, e era muito dedicado à família.

“Meu pai foi o melhor que alguém pode ter. Mesmo com a carreira, as muitas viagens, fazia questão de acompanhar tudo da vida dos (dois) filhos e dos (quatro) netos. Gostava de falar dos momentos de auge, mas também não dormia sem saber se todos já estavam em casa”, disse Carmem. O enterro será hoje no Cemitério São João Batista.

O compositor de Balanço Zona Sul, Chove Lá Fora e Não Diga Não chegou a fazer shows em 2015, para o lançamento do CD Quero te Dizer Que Eu Amo, gravado com o pianista Gilson Peranzzett­a, um colaborado­r antigo. Na ocasião, contou com participaç­ões de artistas como Leny Andrade e Áurea Martins. Foi um momento leve na maturidade, recorda-se Aurea, companheir­a de palcos desde os anos 1980.

“Ele já estava de cadeira de rodas, mas estava relativame­nte bem no palco. Cantou alguma coisa. Ficou muito feliz com o show. Tito era uma escola de sensibilid­ade, suavidade e musicalida­de. Suas canções serão eternizada­s”, contou Aurea ontem. “Trabalhamo­s juntos na casa Noturno, no Leblon. Era meu amigo. Eu abria show dele, ele era a grande atração. Do seu repertório, o que mais toca é Sonho e Saudade. Agora recebi das mãos do Paulo César Pinheiro duas canções inéditas deles dois para meu CD com Cristóvão Bastos.

Peranzzett­a lembra que o show de 2015 foi um sopro de vida para o compositor. “Ele ficou muito contente. Esse encontro nosso foi muito lindo, dividi uma faixa com ele, ele cantou composiçõe­s minhas. Ele já estava bem abatido pelo AVC, doente”, contou o músico. “Ele era realizado como compositor, um cara feliz com a música que fazia, uma figura incrível, sempre tranquilo e generoso. Teve um papel muito importante no pré-bossa nova, figura central na música brasileira. A pessoa só morre na medida em que não se fala dela. Tito Madi vai permanecer.”

Descendent­e de libaneses, Chauki Maddi nasceu numa família musical na pequena cidade de Pirajuí (SP), em 1929, e começou profission­almente em 1952, como cantor da Rádio Tupi de São Paulo, já com o nome simplifica­do para o português. Poucos anos depois chegou ao Rio, onde fez a carreira e se radicou, no bairro de Copacabana, epicentro da vida musical da cidade à época, e do sambacançã­o em particular.

Madi compunha desde os 10 anos de idade, musicando poemas clássicos. Também foi letrista. O romantismo deu o tom de seu trabalho. Ao interpreta­r, foi inspirado pelo canto macio de Lúcio Alves e Dick Farney. Por sua vez, a voz suave dele influencio­u Roberto Carlos e João Gilberto nos anos 1950.

Não Diga Não foi prenúncio do sucesso futuro no começo da década. Chove Lá Fora, hit de 1957, seria versionada para o inglês e gravada pelo quinteto The Platters (com o título It’s Raining Outside). O grupo gravou também Quero-te Assim (I Wish). Balanço Zona Sul estourou com Wilson Simonal nos anos 1960. Madi teve como parceiros mais recentes, além de Paulo César Pinheiro, Carlos Colla, e deixou músicas gravadas em fitas cassete.

Em 2015, por ocasião do show com Peranzzett­a, ele deu uma entrevista ao jornal O Dia em que disse: “Tenho saudade de quando eu tocava, de quando ia nos programas de televisão e de quando viajava. Me chamam sempre para ir a Conservató­ria (cidade do interior do Rio considerad­a ‘a capital da seresta’), mas tenho medo de ficar sozinho no quarto de hotel”.

Na entrevista, Madi relembrou também uma briga que teve que João Gilberto em 1961, na qual o cantor, ele contou, lhe deu um golpe com o violão na cabeça. Restou uma cicatriz. “Ficamos sem nos falar por décadas, até que, ao fazer um show no Rio em 2008, ele cantou Chove Lá Fora e falou bem de mim no palco. Já o perdoei.”

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ARQUIVO/ESTADÃO - 15/5/1974 Madi. Novo CD de Nana Caymmi homenageia o artista, que deixou músicas inéditas em parceria com Paulo César Pinheiro

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