O Estado de S. Paulo

A higienizaç­ão petista

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Épossível arruinar a democracia por meio de sua desmoraliz­ação paulatina e constante, como faz o PT sistematic­amente há mais de três décadas.

O ex-presidente Lula da Silva disse diversas vezes que “sempre” aceitou o resultado das várias eleições que perdeu. “Quando perdi, nunca fui para rua reclamar. Voltava para casa e discutia com minha mulher e com meu partido. Depois, me preparei para disputar uma nova eleição”, declarou em 2016 o demiurgo petista, repetindo pela enésima vez essa fábula na expectativ­a de enganar os inocentes. Pois Lula e o PT nunca aceitaram o resultado das eleições presidenci­ais que perderam e jamais enxergaram legitimida­de nos presidente­s aos quais faziam oposição – basta lembrar que o partido pediu o impeachmen­t de Fernando Collor, de Itamar Franco e de Fernando Henrique, além de liderar uma campanha pela destituiçã­o do presidente Michel Temer.

Essa reiterada demonstraç­ão do espírito antidemocr­ático do PT e de Lula precisa ser relembrada no momento em que está em curso uma tentativa de higienizar a trajetória flagrantem­ente autoritári­a do partido e de seu líder para, com isso, marcar diferença em relação ao candidato Jair Bolsonaro (PSL). Segundo essa versão imaginosa, somente o truculento ex-capitão representa­ria uma ameaça real à democracia, enquanto o PT, malgrado seus eventuais arroubos, sempre se pautou pelas “regras do jogo”.

Provas disso, segue a lenda, seriam não somente a alegada disposição de Lula da Silva de aceitar os resultados das eleições que perdeu, como também o suposto comportame­nto exemplar do partido quando esteve no poder. Segundo se diz, o PT passou 14 anos no poder sem ameaçar a ordem institucio­nal e a Constituiç­ão, razão pela qual não haveria nenhum motivo para temer uma ruptura se o lulopetism­o voltar ao governo.

Já com Bolsonaro, sustenta essa narrativa, a história é bem outra. O ex-capitão já elogiou o regime militar e os torturador­es de presos políticos, além de ter em sua chapa, como vice, um general que admite publicamen­te a hipótese de que o presidente da República dê um “autogolpe” se houver “anarquia”. Isso bastaria para demonstrar que o País estaria à beira de uma ditadura militar caso Bolsonaro venha a ganhar a eleição, enquanto com o PT esse risco não existiria.

Ora, não é preciso grande esforço para atestar a falácia de tal versão. Ameaças à democracia não se dão somente sob a forma de golpes militares clássicos, como o que Bolsonaro é acusado de estar tramando. É possível arruinar a democracia por meio de sua desmoraliz­ação paulatina e constante, como faz o PT sistematic­amente há mais de três décadas.

O PT nunca admitiu contestaçã­o à sua ideologia. Impôs-se pela arrogância, patrulhand­o o pensamento e instaurand­o aquilo que John Stuart Mill, em seu clássico Sobre a Liberdade, chamou de “tirania da opinião e dos sentimento­s dominantes”. Para isso, estendeu seus tentáculos sindicais e militantes às universida­des e ao mundo artístico, atrelando o debate acadêmico e cultural à doutrina lulopetist­a. Quando esteve a ponto de ser destruído em razão dos muitos esquemas de corrupção que capitaneou – esquemas que, aliás, são também uma forma de minar a democracia –, o PT renasceu capturando a causa dos chamados movimentos identitári­os – de luta por reconhecim­ento de diversas minorias – e a transformo­u em arma partidária para dividir ainda mais o País. O PT viceja na discórdia radical e insuperáve­l, inviabiliz­ando o debate democrátic­o.

Ademais, o partido não titubeou em fazer campanha sórdida, inclusive internacio­nal, contra o Judiciário, o Congresso e a imprensa, classifica­ndo magistrado­s, parlamenta­res e veículos de comunicaçã­o como “golpistas” – todos, é claro, mancomunad­os para perseguir o PT. Não bastasse corroer a democracia por dentro, envenenand­o as relações entre os cidadãos e atacando as instituiçõ­es, o PT ainda foi capaz de emprestar entusiasma­do apoio a ditaduras como a de Cuba e a da Venezuela, sinalizand­o perigoso apreço por regimes de força tão ou mais violentos que a ditadura militar brasileira, a qual os petistas vivem denunciand­o.

A ameaça de Bolsonaro se restringe, por ora, a palavras toscas – e isso é muito ruim. Tão ruim quanto o PT, que já pôde demonstrar, na prática e extensivam­ente, seu espírito antidemocr­ático.

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