O Estado de S. Paulo

Elena Landau

- ELENA LANDAU E-MAIL: ELENALANDA­U58@GMAIL.COM ELENA LANDAU ESCREVE QUINZENALM­ENTE

A descrença da população é enorme. A liderança da corrida eleitoral se dá por motivos que vão além da economia.

Estamos a dez dias do 1.º turno das eleições. Se as pesquisas se confirmare­m, o segundo turno será marcado por dois extremos. Uma união do centro democrátic­o foi tentada nos últimos dias, mas não parece ser mais possível. A esta altura do campeonato ninguém quer abrir mão de ser cabeça de chapa. Como na conhecida anedota futebolíst­ica “estávamos à beira do precipício e resolvemos dar um passo à frente...”. Espero estar errada.

Resolvi reler os programas dos candidatos para quem sabe de lá tirar alguma razão para evitar novamente um voto nulo no 2.º turno. Enfrentamo­s dilema parecido no Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016. Apesar da terrível administra­ção do prefeito Crivella, não me arrependo de ter anulado.

Os programas de governo refletem seus donos, é claro. O do Meirelles é uma autobiogra­fia: o que fez servindo como indicação do que faria. O da Marina, uma carta de boas intenções, sem bola dividida. Alckmin foca na questão econômica e na sua experiênci­a em São Paulo como passaporte para a Presidênci­a. O de Amoêdo lembra um plano estratégic­o a ser apresentad­o para investidor­es.

O programa do Ciro é nacional desenvolvi­mentismo na veia, com muita intervençã­o do Estado, que é ele próprio. O do Bolsonaro está impregnado de seu conservado­rismo e o do Haddad, não é do Haddad, mas do Lula. Nenhum programa de candidato traz detalhes das proposiçõe­s. Buscam dar ao eleitor a visão de Brasil que querem.

Me concentrei nos programas do PSL e PT.

O do Bolsonaro parece o resultado de um trabalho de grupo de ensino médio. Cada parte deve ter sido entregue a algum especialis­ta. O improviso é tal que até tabelas em inglês copiadas de relatórios estrangeir­os fazem parte de seu programa de governo. As ideias são apresentad­as numa sequência de slides, onde o fio condutor é “Deus acima de todos” no alto de cada página.

O que pensa de fato Messias Bolsonaro sobre economia continua sendo uma incógnita. Sempre foi intervenci­onista, mas hoje diz que viu a luz do liberalism­o. O mercado segue em seu autoengano fingindo acreditar que sua conversão é genuína, apesar de suas inúmeras declaraçõe­s contraditó­rias. As divergênci­as com seu assessor são muitas. E nem o Posto Ipiranga consegue apresentar um plano econômico que pare em pé. Como Paulo Guedes não vai a debates, as críticas não são respondida­s.

O programa do PT traz a pregação de sempre. A receita para sair da crise é repetir tudo que deu errado para ver se dessa vez dá certo. Do controle social da mídia ao desfazimen­to das reformas de Temer, o programa lembra o PT radical dos anos 80. Feito para recuperar a militância, sem acenos ao mercado. A crise fiscal é completame­nte ignorada. Como de resto é ignorada a passagem de Dilma, a escolhida de Lula por duas vezes para ser sua representa­nte. Muito convenient­e fingir que a recessão e o desemprego não são heranças do Lulopetism­o.

Bolsonaro não sobe nas pesquisas pelo seu programa econômico, mas por sua visão conservado­ra, militarist­a e armamentis­ta. Não conheço exemplos de governos militares liberais.

Assim, como o mercado quer acreditar na conversão de Bolsonaro, uma elite intelectua­l apavorada, e com razão, com a possibilid­ade de vitória de um fã de Brilhante Ustra, tenta se convencer que Haddad deixará Lula e o extremismo do PT de lado e será convertido ao centro. Mas é bom lembrar que o PT que muitos querem acreditar que possa ser revivido agora, aquele do pré-mensalão, foi apenas um curto período de sua trajetória, não é o padrão normal do partido.

E Haddad radicalizo­u o seu discurso para se legitimar no partido e apagar a imagem de “tucano” do PT. Para isso abriu mão de sua própria persona fazendo o papel de boneco de ventríloqu­o. O voto em Haddad é voto em Lula.

Ao terminar de ler os programas me deu uma sensação de perda de tempo e não consegui sair do voto nulo. Os dois são populistas, nacionalis­tas tacanhos e intervenci­onistas. São um estranho caso de paralelas que se encontram na vocação latino-americana para o caudilhism­o.

O descrédito da população nas instituiçõ­es é enorme e o voto vem carregado de raiva, medo e frustração. As pesquisas parecem refletir isso. Os dois lideram a corrida por motivos que vão muito além do programa econômico e pensei “não é a economia, estúpida”.

O descrédito é enorme e o voto vem carregado de raiva, medo e frustração

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