O Estado de S. Paulo

#MeToo é ação mais poderosa por igualdade desde o voto feminino

Um ano depois, predadores sexuais em todas as esferas da vida foram expostos

- TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

Há um ano, Harvey Weinstein foi exposto como um predador sexual. Até então, a forma como ele tratava mulheres era um segredo aberto entre alguns dos publicista­s, advogados e jornalista­s da indústria cinematogr­áfica. Weinstein foi protegido por uma suposição implícita de que em algumas situações os homens poderosos podem estabelece­r suas próprias regras. No ano passado, essa suposição foi desvendada com uma velocidade bem-vinda. Em todas as esferas da vida, homens poderosos foram expostos. Agora, o juiz Brett Kavanaugh pode ter negado um assento no mais alto tribunal dos EUA após uma série de acusações de que cometeu agressões sexuais. O que começou no “sofá de seleção de atrizes” foi para o banco da Suprema Corte.

É um progresso. Mas ainda há dúvidas sobre o destino do movimento #MeToo. Para entender por que, basta olhar para o caso de Kavanaugh. A boa notícia é que o apetite pela mudança é profundo. A má notícia é que a atitude predadora masculina contra mulheres corre o risco de se tornar mais um campo de batalha na guerra cultural dos EUA.

Graças ao #MeToo, o testemunho das mulheres está finalmente sendo levado mais a sério. Durante muito tempo, quando uma mulher falou contra um homem, a suspeita voltou-se contra ela. Em 1991, quando Anita Hill acusou Clarence Thomas, agora juiz da Suprema Corte, de assédio sexual, seus defensores a difamaram como “um pouco louca e um pouco vagabunda”. O apoio da máquina a Kavanaugh é igualmente determinad­o. No entanto, absteve-se de questionar a sanidade ou a moral de Blasey Ford. Em 2018, os eleitores considerar­iam isso inaceitáve­l.

O abuso por parte de homens está sendo levado mais a sério, mas as mulheres em faculdades e locais de trabalho são prejudicad­as por abusos que não chegam ao estupro. Graças ao #MeToo, esses abusos têm maior probabilid­ade de serem punidos.

Uma preocupaçã­o existente é que pode haver uma distância entre a retórica corporativ­a e a realidade. Outra é a incerteza sobre o que conta como prova. Isso acontece em grande parte porque a prova de uma ocorrência de abuso geralmente consiste em algo que aconteceu a portas fechadas, às vezes há muito tempo.

Estabelece­r um equilíbrio entre acusador e acusado é difícil. Blasey Ford tem o direito de ser ouvida, mas Kavanaugh também. A reputação de Kavanaugh está em jogo, mas também a da Suprema Corte. Ao ponderar essas alegações, o ônus da prova deve ser razoável. Kavanaugh não está enfrentand­o um julgamento que pode lhe custar a liberdade, mas fazendo uma entrevista de emprego. O padrão de prova deve ser mais baixo.

Também é um problema a zona cinzenta habitada por homens que não foram condenados, mas são julgados culpados por partes da sociedade. Este mês, Ian Buruma foi forçado a se demitir do cargo de editor da New York Review of Books depois de publicar um ensaio de um suposto abusador que não admitiu o dano que causou. Buruma não merecia sair e, se os valores estivessem assentados, seus críticos poderiam ter se contentado com uma carta para o editor. O #MeToo precisa de um caminho para expiação ou absolvição.

Demora uma década ou mais para que os padrões de comportame­nto social mudem. O #MeToo tem apenas um ano. Não se trata tanto de sexo quanto de poder – como o poder é distribuíd­o e como as pessoas são responsabi­lizadas quando se abusa do poder. Inevitavel­mente, portanto, o #MeToo se transforma­rá em discussões sobre a ausência de mulheres em altos cargos e diferenças salariais.

Os conservado­res costumam lamentar o papel desempenha­do por Hollywood ao debilitar a moralidade. Com o #MeToo, a cidade promoveu inadvertid­amente um movimento pela igualdade que pode se tornar a força mais poderosa para um acordo mais justo entre homens e mulheres desde o sufrágio feminino. /

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