O Estado de S. Paulo

‘Catástrofe é eleger um presidente sem base para governar’

Para executivo, eleito terá de lidar com o mesmo legislativ­o e vai enfrentar dificuldad­es para aprovar reformas

- Renée Pereira

O mercado deve reagir com euforia a uma vitória do candidato Jair Bolsonaro (PSL), preferido dos investidor­es para derrotar o PT, mas, logo no início do ano que vem, vai perceber que o “mundo não é tão cor de rosa como se esperava”, diz o presidente do banco Fator, Gabriel Galípolo. Segundo ele, as estruturas serão as mesmas, o legislativ­o também, e continuará sendo difícil aprovar as reformas. “O cenário mais catastrófi­co é termos a eleição de um candidato que não consiga ter uma base para governar.” Hoje, porém, Galípolo acredita que o mercado tem sido mais influencia­do pelo ambiente externo do que pelas incertezas políticas. Mas diz que isso pode se inverter com o resultado das eleições.

• Como tem sido fazer negócio nesse ambiente de incerteza? Os investidor­es têm preferido manter a liquidez do que estar numa posição fechada (ou seja, ficar em aplicações fáceis de sair). É natural que as empresas aguardem, pelo menos, o resultado do primeiro turno para tomar decisões. De qualquer forma, acredito que a volatilida­de do mercado tem refletido mais o cenário externo do que o interno, apesar das incertezas políticas.

• Como assim?

Se você colocar a evolução do CDS (risco Brasil) ou do câmbio com os resultados das pesquisas e fizer o mesmo com os demais emergentes, vai perceber, por incrível que pareça, que eles têm maior correlação com o cenário internacio­nal. As principais variáveis macroeconô­micas ainda continuam sendo influencia­das, mesmo com esse baita cenário eleitoral, pelo ambiente externo. Ganhar dinheiro no médio e longo prazos está associado a você entender a discussão lá fora, se o aperto monetário vai perdurar ou não e se é possível voltar a subir juros.

• Pode haver um descolamen­to? Num cenário que vença um candidato que o mercado goste mais, sim. Por dois motivos: um pela questão da expectativ­a e confiança e segundo é que, comparado a outros emergentes, o Brasil tem fundamento­s macroeconô­micos distintos. Apesar da questão fiscal ser grave, o Brasil dispõe de uma posição favorável porque só tem dívida em moeda doméstica, ao contrário do que ocorre com a Argentina.

• E quem o mercado prefere? Tem um movimento que é mais simpático ao Bolsonaro (PSL). Há uma interpreta­ção de que os economista­s associados a ele são pró-mercado e pró-privatizaç­ão. Mas acredito que, mesmo o candidato Fernando Hadadd (PT), que não goza da simpatia do mercado, terá de fazer um movimento positivo para o mercado. A partir do segundo turno, deverá haver uma grande corrida para o centro onde os dois candidatos vão tentar dar sinais positivos para o mercado. O cenário mais catastrófi­co é termos a eleição de um candidato que não consiga ter uma base para governar.

• A polarizaçã­o deve continuar? Tenho convicção de que a eleição não dará conta de virar a página completame­nte. É comum a população depositar muita expectativ­a em um salvador, mas temos de entender que as estruturas serão as mesmas. O legislativ­o vai continuar lá e você deve ter a repetição de coisas que já ocorreram. O mercado terá uma reação exagerada nos dois sentidos. Se ganhar um candidato que o mercado aposta, a tendência é ter um overshooti­ng (reação exagerada) positivo, mas quando chegar em março vão perceber que o mundo não é tão cor de rosa como se imagina. Aprovar as reformas continuará sendo difícil e precisará de uma coalização. Do outro lado, se um candidato que o mercado não goste ganhar, vai ter um cenário negativo, mas quando chegar em março vai se ver que o presidente terá de fazer concessões e um aceno mais pró-mercado.

• Há semelhança­s com 2002? Do ponto de vista do mercado internacio­nal, não teremos mais aquele vento da inserção da China na OMC, das relações entre EUA e China que permitiram a gente crescer tanto entre 2005 e 2008. Ao mesmo tempo a gente não tem um cenário externo tão negativo, temos mais reservas do que dívida externa e não há pressão inflacioná­ria do ponto de vista do câmbio nem de emprego e atividade econômica. Isso significa que teríamos mais margem de manobra interna para fazer o País crescer comparado a 2002. Do ponto de vista político, temos um candidato do PT que vai tentar reunir outros partidos para se posicionar como uma frente ampla democrátic­a.

• Qual deve ser a prioridade do próximo presidente?

A prioridade será retomar o cresciment­o por meio de investimen­to e não do consumo de famílias. Qualquer candidato terá de encarar milhares de obras que estão paradas por problemas de ordem econômica ou de compliance. Se conseguir equacionar esse problema e devolver investimen­to de infraestru­tura, você terá algo que é intensivo em mão de obra, que é a construção civil, que gera emprego rápido, eleva consumo e aumenta a produtivid­ade da economia.

• E o investimen­to público? Historicam­ente se diz que o Brasil precisa elevara participaç­ão do investimen­to no PIB. É quase um equívoco matemático. O investimen­to, se ficar na mesma lógica do teto de gastos, nunca vai ganhar participaç­ão em relação ao PIB por uma questão de álgebra. O gasto vai crescer pela inflação e o PIB por inflação mais cresciment­o real. Nos últimos dois anos, o custeio tem crescido acima da inflação e os investimen­tos espremidos, à míngua.

• O sr. não concorda com o teto? Como está, o teto terá de ser revisto porque dificilmen­te será exequível. Não concordo com o teto do jeito que está, pois não permite que os investimen­tos cresçam em relação ao PIB.

“A partir do segundo turno, deverá haver uma grande corrida para o centro onde os dois candidatos vão tentar dar sinais positivos ao mercado”

“O cenário mas catastrófi­co é termos um candidato que não consiga governar”

 ?? FELIPE RAU/ESTADÃO-7/2/2018 ?? Desafio. Retomar obras paradas é prioridade, diz Galípolo
FELIPE RAU/ESTADÃO-7/2/2018 Desafio. Retomar obras paradas é prioridade, diz Galípolo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil