‘Pose’ revê o universo LGBT dos anos 80
Série com oito episódios estreia a 1ª temporada no País nesta sexta, 28
Ryan Murphy é um dos bambambãs da televisão americana – ele assinou em fevereiro um contrato milionário com a Netflix, estimado em US$ 300 milhões (coisa de R$ 1,2 bilhão). Embora suas séries, como Glee ou American Crime Story, passando por American Horror Story, sejam divertidas, ele explora temas sérios, como racismo e preconceito contra homossexuais, pregando a aceitação do outro. Mas nada do que fez até agora foi no nível de Pose, cuja primeira temporada estreia nesta sexta-feira no Brasil, com todos os oito episódios disponíveis imediatamente no FOX App, para assinantes dos pacotes FOX+ e FOX Premium, e semanalmente, às 22h, no FOX Premium 1. A série é pioneira ao empregar atrizes trans em seus papéis principais, além de inúmeros secundários, e contar com pessoas da comunidade nos bastidores também.
“Foi o processo criativo mais longo porque já passei”, disse Murphy, conhecido por acompanhar de perto todos os títulos que levam seu nome, numa entrevista em Los Angeles. Pose vai aos anos 1980, quando a epidemia de aids matava muitos membros da comunidade LGBTQ, e mostra os bailes competitivos que misturam dança, fantasia e desfile de moda frequentados por eles, depois popularizados por Madonna com Vogue. “Queria transformar o documentário Paris Is Burning (também sobre os bailes e dirigido em 1990 por Jennie Livingston) em uma série”, contou Murphy.
O produtor então se encontrou com os sobreviventes da cena na época, que hoje participam da série como jurados nos bailes, em todos os episódios. “Queria que eles fizessem parte da série de alguma forma, e pagar por seu tempo e energia”, disse ainda Murphy. “Não queria me apropriar da história deles simplesmente.”
No fim, ele percebeu que o melhor seria criar uma ficção em vez de se basear na vida de pessoas, muitas delas já mortas. Na mesma época, chegou às suas mãos um roteiro chamado Pose, de Steven Canals, sobre a relação da personagem central, Blanca (Mj Rodriguez), com Damon (Ryan Jamaal Swain), expulso de casa por ser homossexual. Assim nasceu a série, que trata do drama da aids e do glamour dos bailes, mas fala muito de família: Mj se torna “mãe” de jovens como Damon, Angel (Indya Moore), que se envolve com um homem casado, e mesmo de veteranos, como o MC do baile Pray Tell (Billy Porter). A Casa de Evangelista fundada por Blanca tem como principal rival a Casa de Abundance, liderada pela difícil Elektra (Dominique Jackson), antiga “mãe” de Blanca.
Para encontrar atrizes trans como Mj Rodriguez, Indya Moore e Dominique Jackson, Murphy e sua equipe percorreram bares e bailes e deram chance para quem quisesse tentar, tivesse ou não experiência. “Eu estou num ponto da minha carreira em que realmente queria ser um defensor e um patrocinador, algo que nunca tive quando era mais jovem. Tornou-se um projeto de paixão”, lembrou ele, que contou certo dia cerca de 500 pessoas LGBTQ no set, todas com plano de saúde e benefícios. Ele também está doando todos os lucros com a série para a comunidade.
“Foi uma experiência incrível. Disse: vocês escrevem, escolhem o elenco, o figurino. Sempre soube que a única maneira de fazer essa série era me cercar de pessoas apaixonadas por essa história porque era a história delas. E isso foi uma mudança na minha carreira, porque normalmente eu tenho a ideia, escolho o elenco, tenho uma visão de tudo. Nesse projeto, meu interesse era perguntar: o que você acha, o que você quer fazer?”
Não que o produtor não tivesse nenhuma identificação com o material: ele chegou a Nova York bem nessa época. “Eu me lembro de ir ao hospital toda semana porque achava que ia morrer. Achava que amar alguém significava a morte. E muitos jovens não têm essa experiência hoje.” Para ele, Pose chega na hora certa, quando os direitos dos homossexuais e trans parecem mais uma vez ameaçados pela onda conservadora. “Quando você acha que está a salvo, que o mundo morreu, que você finalmente é amado e aceito, tem o Obama como presidente, quando você acha que vai entrar pela porta, ela fecha na sua cara. Há um momento de terror, de humilhação, mas aí a gente dá uma volta e encontra outra porta. Hoje pelo menos há muito mais pessoas que lutam por seus direitos.”
Queria ser um patrocinador da comunidade LGBTQ, algo que nunca tive quando era mais jovem” Ryan Murphy
CRIADOR DA SÉRIE Enfrentamos momentos de terror, de humilhação, mas hoje, pelo menos, há muito mais pessoas que lutam por seus direitos”
Idem