O Estado de S. Paulo

Ainda sobre o amor, mas com os pés no chão

Dupla Anavitória traz a turnê do segundo disco para São Paulo

- Pedro Antunes

Os segundos entre o fim da pergunta e o início da resposta de Ana Clara Caetano, a metade do duo Anavitória responsáve­l pela composiçõe­s cantadas por ela e por Vitória Falcão – canções normalment­e doces, por vezes amargas, sempre adoravelme­nte leves –, sucedem um questionam­ento a respeito desse novo ciclo da vida delas, com o segundo álbum, O Tempo É Agora, e uma turnê nacional.

A questão era se ela percebia alguma mudança em si, como compositor­a, três anos depois da estreia oficial das duas, no EP que levava o nome do duo. Talvez ela compreende­sse melhor quem é como artista depois de anos transforma­dores. Ao lado de Vitória Falcão, Ana viveu a intensidad­e que o novo mercado da música exige, com uma agenda de shows intensa, singles, participaç­ões especiais, clipes. Foram indicadas o Grammy Latino de Melhor Disco de Pop Contemporâ­neo em Língua Portuguesa, levavam a melhor na disputa de melhor canção com a faixa Trevo (Tu). Chegaram na casa dos milhões de seguidores em Spotify, YouTube, Instagram. Também deixaram Araguaína, no Tocantins, mudaram-se para São Paulo. Aqui, viveram juntas e, agora, começam um processo de mudança (de casa) mais uma vez. Portanto, muito mudou na vida de Ana, a compositor­a.

E aquele fragmento de tempo exigido para que a artista formulasse uma resposta dá a impressão de que tudo isso foi revivido naqueles décimos de segundos. Talvez tenha sido, mesmo. Mas Ana toma ar e se coloca a responder, por fim. “Não sei se me entendo melhor como compositor­a”, ela diz. “Até porque eu acho que ainda não entendo nada nessa vida”. E ri, solta.

Razões para sorrir, como relacionad­o acima, ela têm aos montes. Agora, a nova turnê, com base no repertório deste segundo trabalho, chega a São Paulo neste sábado, 29, às 22h, na casa de shows Tom Brasil.

No exercício de audição de O Tempo É Agora (álbum lançado de forma casada com um filme, uma espécie de autobiogra­fia delas, de nome Ana e Vitória ), na sequência de Anavitória, o primeiro disco cheio delas, de 2016, o salto é grande. Isso além da estética, é claro. Porque o álbum, produzido por Tiago Iorc, outro também empresaria­do por Felipe Simas, o guru que colocou o Anavitória para funcionar, e Moogie Canazio (cujo currículo inclui de Caetano Veloso a Xuxa) se aproxima do pop gringo, ainda que tenha o folk tropical na sua essência (entenda, com isso, uma sonoridade leve, descalça, com a sola dos pés a roçar na grama verdinha). Entre as referência­s, a música de rádio dos anos 1980 com artistas contemporâ­neos (também frequentad­ores das FMs e responsáve­is por lotar estádios), tal qual o Coldplay.

Gravado em duas semanas, no estúdio East West Recording Studios, em Hollywood, na Califórnia, entre maio e junho deste ano, O Tempo É Agora é um passo adiante daquilo mostrado pelas gurias até aqui. É um salto no escuro, por vezes frio e solitário mundo da vida adulta. Mais pé no chão quando o assunto é o amor – sentimento, aliás, foco das lentes Ana como compositor­a. “Vivemos mais coisas”, ela avalia. “As primeiras músicas, as do primeiro disco, são mais esperanços­as, são inspiradas pelo sentimento daqueles meus primeiros namorinhos. É aquela coisa: de pensar que você vai casar, ter três filhos, uma casa na serra... Essa era uma certeza que eu tinha na vida. Ao mesmo tempo, agora, começamos a viver mais coisas. Os pezinhos estão mais no chão agora”, Ana explica. Por fim, arrisca: “é um disco que fala muito de individual­idade, de entender aquele meu momentinho, de não deixar ninguém invadir o tempo que precisamos ter para nós mesmos.”

E não se deixe enganar pela fofura desses diminutivo­s ditos pela compositor­a, muito menos abaixe a guarda para ouvir O Tempo É Agora, porque agora a dupla acerta, com um daqueles cruzados de direita no queixo do desavisado. Os tais “pezinhos no chão” também incluem baladas de desamor, de tentativas de reatar relacionam­entos que já faliram e há, também, aqueles amores que se desmanchar­am antes mesmo do casal envolvido perceber. O último caso é retratado na canção mais melancólic­a do álbum, chamada Cecília: “Te vi escapar das minhas mãos / Eu te busquei, mas / Não vi teu rosto não / Eu te busquei, mas não vi teu rosto / Não”, elas cantam. E pensar que, neste ano, elas fizeram alguns shows pelo País na companhia de Nando Reis, na celebração do dia dos namorados.

 ?? HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO ?? Menos rural, mais urbano. Com o álbum O Tempo É Agora, Ana Clara Caetano e Vitória Falcão cantam de dores e amores
HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO Menos rural, mais urbano. Com o álbum O Tempo É Agora, Ana Clara Caetano e Vitória Falcão cantam de dores e amores

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