O Estado de S. Paulo

Espelho da alma

O tenor italiano Andrea Bocelli fala sobre seus dois concertos em São Paulo neste fim de semana, além de comentar ainda sobre seu novo disco, ‘Sì’

- João Luiz Sampaio ESPECIAL PARA O ESTADO

Fé, amor, beleza, passado, memória, encantamen­to – a conversa com o tenor Andrea Bocelli está repleta dos temas que, espalhados por suas canções, fizeram dele um dos fenômenos da música internacio­nal. Com mais de 80 milhões de discos vendidos, o cantor italiano, apadrinhad­o por Luciano Pavarotti nos anos 1990, ficou conhecido pela mistura de árias de óperas e canções. Completou 60 anos no fim de semana, cantando em Porto Alegre. E, no sábado, 29, e no domingo, 30, faz duas apresentaç­ões em São Paulo, no Allianz Parque, acompanhad­o da Orquestra Juvenil Heliópolis.

“Há, entre a ópera e as canções, um denominado­r comum, que é a beleza”, diz ele, em conversa com o Estado, tocando em assunto frequente em sua trajetória. Se há quem não veja com boas intenções sua incursão pela música popular, o oposto não deixa de ser verdade: no início do ano, a imprensa britânica noticiou o desagrado de fãs que, animados com a possibilid­ade de ouvi-lo cantando sucessos como Per Amore, Vivere ou Romanza, foram até a Itália, mas acabaram se deparando com uma apresentaç­ão da ópera Andrea Chenier, de Giordano, “com perucas e tudo, e em italiano”.

“O clássico e o pop são dois universos naturalmen­te diferentes, cada um com sua própria dificuldad­e, peculiarid­ade e cada um com a sua própria dignidade artística. Mas a diferença que faço é apenas entre música bonita e música ruim. Meu desafio é continuar a disseminar e defender a qualidade, onde quer que ela esteja. E é com esse espírito que vou cantar em São Paulo, uma cidade que é um caldeirão de etnias e civilizaçõ­es que se misturaram ao longo dos séculos”, diz o tenor.

O repertório da apresentaç­ão deve ter uma primeira parte dedicada a árias e duetos de ópera e, na segunda, uma seleção de canções, com a participaç­ão de convidados como a cantora Maria Rita. Bocelli também deve dar amostras de seu novo disco, que chega às lojas no final de outubro, batizado de Sì, em que se apresenta ao lado do britânico Ed Sheeran e dos filhos, Amos e Matteo. É o seu primeiro álbum de inéditas em 14 anos, depois de Romanza, no qual a parceria com Sarah Brightman em Con Te Partiró o lançou em definitivo no cenário musical internacio­nal.

Não por acaso, foi justamente para os autores da música que Bocelli se voltou quando o projeto do disco surgiu, Francesco Sartori e Lucio Quarantott­o. “Esperei 14 anos porque as notas musicais são sete, mas as canções já escritas são milhões… Era, portanto, necessário encontrar algo de fato interessan­te para que eu pudesse embarcar em uma aventura tão trabalhosa”, ele explica. “Resolvi voltar a inéditos, às vésperas dos meus 60 anos, quando ouvi Qualcosa più dell’oro, por sua mensagem de amor e pelo fato de que carrega a mesma assinatura artística que deu à luz Con Te Partiró. Foi uma parto complexo, fruto de um processo de amadurecim­ento, porque cada faixa nova precisa de tempo.”

Bocelli diz que, por mais que um pouco de nostalgia seja normal, “fisiológic­a até”, não pode “sequer imaginar qualquer queixa com relação à vida, que tem sido tão generosa comigo”. O tenor perdeu a visão aos 12 anos, após ser atingido por uma bola enquanto jogava futebol, mas o episódio não costuma ser um tema recorrente em suas falas. Na verdade, a memória que construiu da infância é quase idílica. “Tive uma juventude feliz, ligada ao lugar onde nasci e cresci, na zona rural da Toscana. Lajatico é um canto de paz onde minha mãe e parte da minha família ainda vivem hoje... Essas colinas me acompanhar­am primeiro como moleque, magro e inquieto, depois como um menino curioso e sonhador, depois um artista imaturo e apaixonado. A música sempre foi minha droga, minha maneira favorita de dar leveza à vida”, ele conta.

Ainda no berço, relembra, assim que ouvia uma peça lírica, parava de chorar. “Com seis ou sete anos, já ouvia as grandes árias no toca-discos da sala de estar. Antes da adolescênc­ia, aprendi a tocar instrument­os, pois uma certa predisposi­ção me permitiu alcançar rapidament­e uma qualidade razoável. Mesmo antes dos estudos humanístic­os e de ler os textos dos filósofos, em meu coração estava claro para mim que a música era uma linguagem muito especial, muito mais poderosa que a linguagem verbal. Algo que pode mudar o caráter moral da alma, como disse Aristótele­s, que pode nos educar sobre a beleza, abrir nossos corações e nossas mentes.”

A voz, nesse sentido, é “o espelho da alma”. “E o canto, naturalmen­te, torna-se uma narrativa a respeito de nosso mundo interior. Recebi do céu um dom, uma voz reconhecív­el e capaz de comunicar emoções positivas. Meu único mérito, o fato de ter tentado honrar esse talento com muito estudo e muitos sacrifício­s. Se, por meio do canto, eu provavelme­nte posso tocar o coração das pessoas, isso devo em grande parte à fé, que é o centro de gravidade da minha vida. Estabeleci toda a minha existência homenagean­do, por meio da música, o poder do amor e, portanto, a vida, que é o mais belo e o maior dos presentes. E é sempre um privilégio poder levar àqueles que assim desejam um momento de alegria e otimismo com o meu canto.”

O clássico e o pop são dois universos naturalmen­te diferentes, cada um com sua própria dificuldad­e, peculiarid­ade e com a sua própria dignidade artística”

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EDUARDO MUNOZ/REUTERS Cantor. Ele lança um novo álbum depois de 14 anos ANDREA BOCELLIAll­ianz Parque Avenida Francisco Matarazzo, 1705. Sáb. (29), 21h. Dom. (30), 19h. A partir de R$ 150

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