O Estado de S. Paulo

Um País como refém

Vera Magalhães

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A polarizaçã­o do 1º turno mostrada nas pesquisas até aqui é resultado do plano que Lula traçou antes de ser preso e executou com maestria do cárcere.

Na mesma entrevista em que disse que o PT mais cedo ou mais tarde vai “tomar o poder”, pelo voto ou não, José Dirceu disse, também, que Jair Bolsonaro não é problema do PT, e sim do PSDB e do que chama de “direita”. O que aquele que se pretende, mesmo na decadência, ser o formulador do petismo, quer dizer com isso? O óbvio: que no roteiro que traçou para a volta ao poder tendo Fernando Haddad como hospedeiro, Lula escolheu Bolsonaro como adversário.

E vai tendo sucesso em uma e em outra estratégia, com a ajuda incrível de uma parcela da elite que nem percebe o papel que está cumprindo para aquele a quem odeia.

A polarizaçã­o do primeiro turno, mostrada nas pesquisas até aqui, entre dois extremos não só do espectro ideológico, mas também da relativiza­ção das regras do jogo, é, ela também, resultado do plano que Lula traçou bem antes de ser preso e executou com maestria direto do cárcere em Curitiba.

Desde sempre ele soube que a fórmula para tentar voltar ao poder depois do impeachmen­t passava por apagar Dilma Rousseff da foto dos governos petistas. Para isso, contou com a ajuda inestimáve­l de Michel Temer, que, afundado em denúncias de corrupção, conseguiu não só fazer uma parcela significat­iva da população esquecer o desastre que foi sua companheir­a de chapa quanto ter saudade daquele que a inventou.

O plano de Lula incluía, também, ter um dublê de si mesmo que em nada lembrasse a malfadada experiênci­a de Dilma. O figurino de Haddad é diferente do da ex-presidente: fala manso nos ambientes em que precisa se mostrar moderado e fala rouco e grosso quando emula o chefe em cima do caminhão de som.

Resultado: cresce no Nordeste e nos segmentos de baixa renda de forma a assegurar uma vaga no segundo turno e pode ser aceito pelos setores moderados devido à rejeição do adversário e a promessas pouco críveis de aceno ao liberalism­o na economia e ao respeito às regras do jogo na política. Por que pouco críveis? Porque em tudo diferem do que está consignado no plano de governo que ele, Haddad, coordenou. E porque toda a trajetória do PT desde o impeachmen­t e da prisão de Lula, presente diariament­e no discurso de suas outras lideranças ainda hoje, vai no caminho da ruptura com essas regras, cabresto à imprensa e ao Judiciário e dirigismo dilmista na economia.

Mas mesmo esta dupla personalid­ade encarnada por Haddad desde que foi posto no lugar de Lula foi pensada pelo chefe. E por quê? Porque o plano ideal vislumbrav­a que Bolsonaro se manteria resiliente durante a campanha, fruto justamente da outra face da doença legada pelo PT ao País nos últimos 16 anos: o antipetism­o cego.

Não à toa, os petistas se eximiram de críticas mais contundent­es a Bolsonaro, mesmo diante das pautas mais contrárias do deputado e ex-capitão àquelas caras à esquerda. Afinal, o objetivo maior fala mais alto: levar o barco placidamen­te ao encontro marcado no segundo turno, e deixar a rejeição a Bolsonaro ser inflada por ele mesmo e seus aliados, sob o beneplácit­o entusiasma­do de uma elite estudada e endinheira­da que parece em transe hipnótico.

Assim, a maioria da população e do eleitorado que não está entrinchei­rada em nenhum dos extremos regressivo­s e ameaçadore­s à democracia segue refém das estratégia­s de Lula e de Bolsonaro, o antípoda por ele apontado – em tudo semelhante àquele que escolheu Dilma em 2010 e Haddad em 2012 e 2018.

O que é em todos os aspectos preocupant­e é que, num cenário em que são todos reféns, um contingent­e imenso sofre de Síndrome de Estocolmo e, se não se curar dela a tempo, pode fazer com que o cativeiro do País perdure pelos próximos quatro anos.

Em cativeiro na disputa, parte do eleitorado sofre de Síndrome de Estocolmo

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