O Estado de S. Paulo

Quando se examinam os planos dos candidatos à Presidênci­a para a economia, velhos vícios ficam evidentes.

Velhos vícios ficam evidentes quando se examinam os planos dos candidatos à Presidênci­a para a reanimação da economia

- •✽ ROLF KUNTZ

OBrasil poderá ser governado nos próximos quatro anos com ideias econômicas de meio século atrás, se o populismo e o voluntaris­mo forem consagrado­s na eleição presidenci­al. Controle de câmbio, intervençã­o nos juros, empreguism­o, uso político da Petrobrás e de outras estatais, protecioni­smo comercial e promoção da ineficiênc­ia estão entre as promessas, às vezes com outras palavras, dos programas de candidatos bem situados nas pesquisas. Não se trata apenas de noções com validade vencida, mas também de ideias fracassada­s e comprovada­mente desastrosa­s.

O presidente eleito terá dificuldad­e para fechar o Orçamento do próximo ano com déficit primário no limite de R$ 139 bilhões. Enquanto a conta primária estiver no vermelho, faltará dinheiro para cobrir os juros e conter a dívida pública. O endividame­nto já está próximo de 80% do produto interno bruto (PIB). Pelo critério do FMI (incluídos papéis em poder do Banco Central), a dívida do governo geral está perto de 90% do PIB. Nos países de renda média, a proporção é próxima de 50%.

Convém examinar as propostas a partir desse ponto: há uma emergência nas contas públicas. Terá sentido iniciar qualquer programa sem cuidar imediatame­nte dessa questão?

Alguns candidatos, como Fernando Haddad, do PT, mal chegam a admitir a gravidade do problema fiscal e a urgência de enfrentá-lo. Uma de suas promessas é revogar o teto de gastos. Seu assessor econômico mais conhecido, Marcio Pochmann, anuncia políticas “graduais”, sem ajuste radical e com mudanças apenas “pontuais” na Previdênci­a.

Outro assessor, Ricardo Carneiro, aparenteme­nte conduzido ao primeiro plano para facilitar o contato com o mercado, admite a existência de um problema fiscal e propõe eliminar o déficit primário em quatro anos. Também rejeita a correção dos gastos com base na inflação, determinad­a pela regra do teto. Mas defende corrigir os gastos pelo PIB e fala em remanejar despesas para investir sem aumentar o déficit.

Outro assessor, o economista Guilherme Mello, apontou, segundo a Folha de S.Paulo, o cresciment­o econômico e a reforma tributária como soluções para o problema da Previdênci­a. Não está claro, quando candidatos e assessores falam sobre tributação de lucros e dividendos, se eles distinguem claramente o sentido das duas palavras. Taxar dividendos pode elevar a arrecadaçã­o e ao mesmo tempo tornar a tributação mais progressiv­a. Taxar lucros pode afetar a capacidade de cresciment­o das empresas e de geração de empregos.

Quais desses pontos de vista representa­m os de Haddad? Por enquanto, ele se concentra na promessa de restabelec­er um imaginário paraíso dos tempos de Lula.

O programa de Jair Bolsonaro, do PSL, inclui o compromiss­o de eliminar o déficit primário rapidament­e, cortando gastos e renúncias fiscais. A ideia é obter superávit já no segundo ano e ainda vender ativos da União para apressar a redução da dívida. Se executado, esse programa contribuir­á sem dúvida para a baixa de juros, mas ninguém explicou como ir tão longe em dois anos.

Segundo respeitado­s especialis­tas em contas públicas, o governo dificilmen­te conseguirá algum superávit primário antes de 2023. Na melhor hipótese, haverá equilíbrio no fim do próximo período presidenci­al. Qual o segredo de Bolsonaro?

Ciro Gomes, do PDT, promete cortar as desoneraçõ­es tributária­s, rever todas as despesas, mexer nos impostos e criar um sistema previdenci­ário parcialmen­te baseado em capitaliza­ção. Ninguém mostrou com alguma clareza como se cuidará dos mais urgentes desafios fiscais, nem descreveu a transição para a nova Previdênci­a. Ele propõe também recriar a CPMF, o imposto do cheque. A ideia é ressuscita­r essa aberração para financiar a redução da dívida pública. O dinheiro seria dividido com Estados e municípios. Se isso ocorrer, alguém conseguirá mandar esse tributo de volta ao lixo?

O candidato Geraldo Alckmin, do PSDB, fala em eliminar o déficit primário em dois anos, principalm­ente por meio do corte de gastos, promover com urgência a reforma da Previdênci­a e desvincula­r verbas para racionaliz­ar a gestão orçamentár­ia. A privatizaç­ão de empresas selecionad­as é apontada como forma de melhorar o uso de recursos e elevar a eficiência da economia. Nada parece muito criativo, à primeira vista, mas a proposta é organizada e mostra um caminho para a sustentaçã­o fiscal.

Velhos vícios ficam mais evidentes quando se examinam os planos para reanimação da economia e para abertura de uma nova fase de cresciment­o. Algumas propostas parecem ter resultado de um cruzamento intelectua­l de Donald Trump com Dilma Rousseff. No dia 14, Ciro Gomes propôs “mão de ferro” – a expressão é dele – contra a especulaçã­o financeira. O câmbio, segundo afirmou, estava sendo manipulado para “gente ganhar dinheiro”. Basbaques podem ter-se impression­ado, mas a frase denotou, mais uma vez, o conhecido voluntaris­mo do ex-governador do Ceará. Entre outras velharias, ele propõe a oscilação do câmbio “em torno de um patamar competitiv­o para a indústria nacional” – um mal disfarçado protecioni­smo. Melhor seria estabiliza­r o câmbio com políticas de eficiência.

Boquinhas para empresas têm destaque também nas propostas do PT. No Rio Grande do Sul, ele prometeu usar o poder de compra do governo para estimular os estaleiros e outras indústrias. Governo, nesse caso, deve significar estatais. A Petrobrás, no período petista, privilegio­u os estaleiros e outros fornecedor­es nacionais. Desperdiço­u um dinheirão, nem sempre recebeu as encomendas e perdeu capacidade de investir na pesquisa e na produção de petróleo e gás. Além disso, o esquema facilitou a orgia escancarad­a pela Operação Lava Jato.

Haddad também prometeu ganho real para o salário mínimo, mesmo com redução do PIB, e imposto sobre exportaçõe­s, para “estimular a elevação do valor agregado”. Os concorrent­es do País nos mercados do agronegóci­o e de minérios devem estar animados com a promessa de encarecer os produtos brasileiro­s. Quanto aos Trapalhões, devem estar roxos de inveja.

Há uma emergência nas contas públicas. Terá sentido um programa sem essa questão?

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