O Estado de S. Paulo

Eleição na Terra do Nunca

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Asociedade parece viver o auge de sua adolescênc­ia, como comprova a renitente recusa a encarar a vida sem nutrir a ilusão de que existe prosperida­de sem sacrifício.

A campanha presidenci­al tem servido para mostrar que infelizmen­te o Brasil ainda tem de percorrer um longo caminho até amadurecer de fato. O País e sua sociedade parecem viver o auge de sua adolescênc­ia, como comprova a renitente recusa a ingressar na vida adulta – que pressupõe assumir responsabi­lidades e encarar a vida como ela é, sem nutrir a ilusão de que existe prosperida­de sem sacrifício.

Prova disso é o discurso de vários candidatos, todos bem colocados nas pesquisas de intenção de voto, que promete abolir o teto dos gastos públicos e a reforma trabalhist­a – ambas, não por acaso, medidas que demandam um comportame­nto adulto tanto por parte do governo como por parte das empresas e dos cidadãos.

No caso da emenda que instituiu o teto dos gastos, a sociedade se viu finalmente obrigada a rediscutir as prioridade­s do País, ante o fato indisputáv­el de que os fundos públicos são escassos e, na atual conjuntura, cada vez menos disponívei­s. A sistemátic­a oposição à adoção desse limite e a popularida­de de candidatos que prometem revogar o teto se eleitos indicam a má disposição mais ou menos generaliza­da de enfrentar a dura realidade dos números e de estimular a participaç­ão política dos cidadãos nas decisões sobre a distribuiç­ão dos recursos.

Por sua vez, a reforma trabalhist­a, que acabou com o paternalis­mo de uma legislação que havia décadas tratava o trabalhado­r como hipossufic­iente, incapaz de defender seus interesses perante o empregador e de negociar o melhor contrato de trabalho possível, está sendo torpedeada porque pressupõe que os cidadãos sejam maduros para assumir o encargo de cuidar de seus próprios interesses.

Entre os que lideram a corrida presidenci­al, há candidatos que já anunciaram a intenção de revogar a reforma trabalhist­a, sob o argumento de que é preciso restituir a rede de “proteção” do trabalhado­r – rede esta que deu azo a um conjunto de normas tão minucioso e rígido que, a título de garantir os direitos do trabalhado­r, acabou por desestimul­ar a contrataçã­o formal de empregados, condenando esse mesmo cidadão ao desemprego crônico ou à informalid­ade do trabalho precário.

O escasso entusiasmo dos eleitores com as reformas em geral pode ser constatado também diante da enorme impopulari­dade do presidente Michel Temer, cujo governo se pautou justamente pela corajosa defesa dessas mudanças. A mais recente pesquisa do Ibope constatou que 78% dos entrevista­dos consideram seu governo “ruim” ou “péssimo”, contra apenas 4% que o veem como “bom” ou “ótimo”. É claro que muito desse mau humor em relação ao governo se deve às denúncias de corrupção que pesam contra Temer, mas o fato é que só isso não parece suficiente para explicar sua reprovação generaliza­da, inédita na história nacional. Fica evidente que a identifica­ção de Temer com as reformas ajudou e muito a torná-lo tão impopular, razão pela qual todos os candidatos – mesmo aqueles cujos partidos apoiaram o governo de Temer em algum momento – disputam entre si quem faz maior oposição ao presidente, e um dos trunfos nessa campanha tem sido justamente a desmoraliz­ação das reformas.

Assim, os candidatos com maior potencial de vitória parecem decididos a impedir que a sociedade brasileira alcance a maturidade necessária para enfrentar os graves problemas do País. Adiar as reformas, hostilizan­do-as, é uma perigosa forma de escapismo. O problema é que está cada vez mais próxima a hora em que a realidade vai se impor. A atual crise na Argentina, causada, entre outras razões, pela hesitação do governo de Mauricio Macri em promover as reformas, deveria servir de alerta para os brasileiro­s.

Ante o iminente risco de colapso das contas públicas e em meio a uma profunda crise política e moral, a questão é saber se a sociedade vai enfim render-se às evidências e aceitar que a fase adulta da vida requer cumprir obrigações e aceitar sacrifício­s em nome da desejada estabilida­de e da almejada prosperida­de, ou se vai continuar a prevalecer a crença de que o Brasil é mesmo a Terra do Nunca – onde vivem Peter Pan e todos aqueles que se recusam a crescer.

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