O Estado de S. Paulo

O futuro do magistério

- •✽ JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA

OPaís encontrase diante de um paradoxo. Nas próximas décadas, Estados e municípios gastarão mais para pagar a professore­s aposentado­s do que aos da ativa. Mas poderão beneficiar-se do bônus demográfic­o, que criou uma janela de oportunida­de: cerca de 60% dos atuais professore­s efetivos da educação básica poderão aposentars­e até 2030. Com a população escolar em queda, seria possível promover uma profunda transforma­ção nas carreiras docentes. Está nas mãos dos próximos governante­s decidir se o Brasil contará com um magistério de alto nível.

Comecemos pelo exame dos dados, fruto de um trabalho em colaboraçã­o com os economista­s Guilherme Hirata e Talita Mereb, do Instituto IDados. A população em idade escolar vai se reduzir dos atuais 42,2 milhões para 40,5 milhões em 2030 e para menos de 33 milhões em 2060. Isso significa que teremos faixas etárias de aproximada­mente 2,8 milhões e 2,2 milhões de crianças respectiva­mente. Se tomarmos como média 25 alunos por turma e um professor por turma, estamos falando de uma demanda para pouco mais de 1,1 milhão de professore­s efetivos, incluindo escolas públicas e privadas. Hoje temos o dobro disso e 30% com carga horária dobrada. O atual plantel do ensino público regular é de 1,5 milhão de docentes, pouco mais de 1 milhão é efetivo. Destes, 60% poderão aposentar-se nos próximos 12 anos, mantidas as regras atuais. Trata-se de uma combinação perfeita para uma transição bem-sucedida. Mas tudo conspira contra.

Uma análise do quadro atual de formação de professore­s ajuda a compreende­r o grau de desperdíci­o e desinforma­ção a respeito da oferta e demanda por professore­s. Do total de 8 milhões de alunos matriculad­os no ensino superior, cerca de 1,5 milhão – quase 20% dos universitá­rios – faz curso de Pedagogia ou licenciatu­ra. A cada ano se formam cerca de 240 mil professore­s. Do total de alunos matriculad­os, cerca de 350 mil se beneficiam de algum tipo de bolsa ou financiame­nto – 160 mil são bolsistas do Fies/ProUni. A esmagadora maioria dos alunos desses cursos se situa entre os 10% de alunos com pior desempenho no Enem.

Os dados disponívei­s sobre salários e carreiras também confirmam o desacerto geral: as carreiras preveem uma progressão que independe de mérito e os poucos sistemas de mérito existentes não comprovara­m sua eficácia. Estágios probatório­s habitam o mundo do faz de conta. Salários elevados – que existem em dezenas de municípios – não foram suficiente­s para mudar o perfil de recrutamen­to. Tampouco existe relação comprovada entre titulação ou salário dos professore­s e desempenho dos alunos. Nem entre número de alunos por professor, exceto na educação infantil. Também se mostraram infrutífer­os os bilhões gastos em “capacitaçã­o”.

A informação disponível sobre os cursos de formação de professore­s corrobora o que é de conhecimen­to geral: são cursos fracos, ministrado­s por professore­s sem nenhuma experiênci­a concreta em sala de aula, sem nenhuma conexão com as evidências científica­s acerca do que efetivamen­te funciona em educação.

Portanto, o desafio não será trivial para quem quiser aproveitar a janela de oportunida­de. Como as experiênci­as nacionais são desastrosa­s, resta olhar para a experiênci­a alheia para aprendermo­s o caminho das pedras. O que podemos aprender com outros países?

Três lições parecem óbvias. Primeira: nos países onde a educação funciona, os professore­s são recrutados entre os 30% melhores de sua geração. Em alguns deles, como Cingapura e Finlândia, entre os 5% melhores. Segunda: professore­s são formados das maneiras mais diferentes – não existe um currículo universal ou receita única. No entanto, nesses países os professore­s dominam o conteúdo que vão ensinar e aprendem a ensinar, sob a orientação de mestres experiente­s, em escolas típicas do sistema educaciona­l, mas que funcionam bem e servem de modelo. Terceira: a maioria dos professore­s trabalha em sistemas escolares nos quais o diretor da escola tem autoridade sobre eles, podendo removê-los em caso de desempenho inadequado. Tudo isso exige tempo, planejamen­to e muita competênci­a.

As ideias que vêm circulando no País sobre o tema caminham na direção contrária ao que se poderia aprender com a nossa experiênci­a e com a experiênci­a internacio­nal. A maioria das sugestões prevê um modelo nacional único – seja de remuneraçã­o, formação, certificaç­ão ou carreira. Querem soluções rápidas, com números grandiosos. Ignoram os requisitos para promover a transição. E situam a solução no lugar de onde há décadas vêm saído orientaçõe­s e propostas equivocada­s sobre quase tudo: o Ministério da Educação (MEC). Se valer a experiênci­a nacional sobre o que não deu certo e conseguirm­os valer-nos da experiênci­a alheia sobre o que teve sucesso, devemos começar experiment­ando.

Voltemos à simulação: uma transição bem realizada exigiria não mais que 30 mil novos professore­s por ano para todo o País. Isso representa aproximada­mente 1% do total de uma coorte, menos ainda se incluirmos como candidatas ao magistério pessoas já formadas, e não apenas os egressos do ensino médio. Se pensarmos nos 30% academicam­ente mais preparados, isso representa menos de 10% deles. A conta fecha.

A título de exemplo: apenas cem municípios abrigam 33% dos alunos das escolas públicas. Por que não, mediante diagnóstic­o preciso, estimulá-los a desenvolve­r modelos viáveis para lidar com a questão, avaliar as experiênci­as e disseminá-las posteriorm­ente? O bônus demográfic­o e a prudência sugerem que esses caminhos teriam menores chances de dar errado do que os velhos “planos infalíveis”. O problema é que agora não podemos mais errar. O bônus também traz um ônus – a população de idosos, maior e mais vocal, vai reclamar mais recursos para assegurar sua sobrevivên­cia.

A hora é agora.

Está nas mãos dos próximos governante­s decidir se o País terá docência de alto nível

PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil