O Estado de S. Paulo

ELEIÇÃO LEVA DESAVENÇA ÀS RELAÇÕES

Discussões podem afastar amigos e parentes

- Gilberto Amendola DANIEL TEIXEIRA/ESTADAO PAULO BERALDO

Na mesa do happy hour um assunto colocou água no chope das amigas: a eleição presidenci­al. Unidas em torno do candidato João Amoêdo (Novo), elas evitam comentar o destino dos seus respectivo­s votos em um eventual segundo turno. “No bar, tentamos não tocar no assunto. Já tem muita discussão no trabalho, na família, no grupo do WhatsApp...”, diz a bancária Tayna Moraes, de 21 anos.

Em uma eleição já marcada por atos de violência, ódio e irracional­idade, as desavenças entre amigos, parentes e colegas de trabalho podem parecer algo menor, colateral e até anedótico. Mas o psicanalis­ta Jorge Broide (USP) não pensa assim.

“Essa é uma consequênc­ia séria do ambiente eleitoral. Os núcleos familiares e relações de amizade são os primeiros a se romper em situações de polarizaçã­o acirrada”, diz Broide. “Como o debate político não está no cotidiano das pessoas é comum que a posição ideológica de quem está ao nosso lado nos surpreenda e cause repulsa. A convivênci­a com quem pensa diferente, na intimidade, é muito difícil”, completa o psicanalis­ta.

É raro encontrar alguém que não tenha uma história de desavença para contar. Na família da pesquisado­ra Beatrys Fernandes, de 26 anos, a discussão ganhou caráter religioso. De família mórmon, ela viu o pai e o tio brigarem de forma acalorada. “Um dizia que aquilo que um candidato defendia não estava nas escrituras. O outro afirmava que o que o candidato dizia não feria a religião deles”, diz.

A socióloga S.F. (que pediu para não ter o nome publicado) afirma que se assustou com o comportame­nto de um amigo que “mandava memes defendendo a direita e querendo brigar durante a própria lua de mel”. “Na lua de mel!”, repetiu.

O especialis­ta em relações internacio­nais Andrey Pereira Brito, de 28 anos, diz que uma amiga o convidou para ser padrinho de seu filho porque trocou xingamento­s com o original por motivos eleitorais. “Ela não queria que a filha tivesse um padrinho que vota em determinad­o candidato.”

Justiça. A repulsa em relação ao posicionam­ento político do outro pode render mais do que uma cara feia. O advogado Felipe Mendonça, de

40 anos, atende a dois clientes que estão processand­o agressores virtuais. “Não pode tudo nas redes. Não pode racismo, não pode xenofobia. Tenho dois clientes que foram agredidos moralmente por demonstrar­em apoio a determinad­o candidato”, afirma.

“Com as redes sociais, ampliou-se em nossa sociedade uma relação de troca de favores – quando você curte um post de alguém você está fomentando essa troca de favores. E se a outra pessoa não correspond­e à sua visão de mundo, ao seu candidato, você reage com violência, como se tivesse sido traído”, observa o filósofo Roberto Romano, da Unicamp.

“O Brasil é um País com uma sociabilid­ade violenta. Nós sempre tivemos potencial para um tipo de discurso de ódio. Agora, nessa eleição, politizara­m esse discurso”, diz a cientista política Esther Solano (Unifesp), organizado­ra do livro Ódio Como Política.

Alheio às teorias sobre política, o garçom Pedro Paulo Chicarelli, de 38 anos, afirma estar preparado para intervir em caso de descontrol­e. “Felizmente, ainda não precisei me meter”, diz. Mas, quando todo mundo vai embora, Chicarelli e outros garçons levantam as mesas, começam a recolher as garrafas e... “Vixeee, a briga aqui é séria.”

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‘Vixe’.Chicarelli, preparado para conter brigas

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