O Estado de S. Paulo

Enem: nacional e paulista

- E-MAIL: renata.cafardo@estadao.com ✽ É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTA­S DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)

Um dos grandes objetivos do então “novo Enem”, criado em 2009 – que hoje é o que todo mundo conhece simplesmen­te como Enem –, era democratiz­ar o acesso ao ensino superior. O atual candidato à Presidênci­a pelo PT, Fernando Haddad, era o ministro da Educação e queria acabar com os deslocamen­tos pelo País, custosos e cansativos, a que tinham de se submeter os vestibulan­dos.

Quem queria estudar Medicina, por exemplo, chegava a fazer mais de dez provas no fim do ano, disputando vagas em diversas universida­des. O Enem, até então, servia apenas como complement­o da nota, já que era uma prova simples, que não havia sido pensada para selecionar candidatos. Hoje, o Enem é um vestibular único para mais de 200 mil vagas em cerca de 130 instituiçõ­es.

Desde os primeiros resultados, persiste o questionam­ento sobre se há ou não uma democratiz­ação com o novo tipo de exame. Financeira­mente, os alunos ganharam, porque cada vestibular significav­a pagar uma taxa de inscrição. Fora isso, precisavam custear viagens para realizar as provas no Estado em que estava a universida­de.

Mas os resultados não são tão claros quando se fala em benefícios da chamada mobilidade proporcion­ada aos estudantes. Acreditava-se que os jovens mais pobres e de Estados menos favorecido­s poderiam ter acesso a vagas em outros lugares do País, já que fariam uma prova única. Os números, no entanto, apesar de confirmare­m cresciment­o nessas andanças, mostram que elas estão longe de ser maioria.

Dados recentes do MEC indicam que só 10% dos estudantes que fizeram o Enem em 2014, 2015 e 2016 se matricular­am em instituiçõ­es fora de seus locais de residência. Desse grupo, que tem 31 mil jovens, 10 mil são paulistas. Eles conquistar­am vagas principalm­ente nas universida­des de Minas, Paraná e Paraíba. Só 710 alunos que moram em outros lugares foram aprovados nas três federais em São Paulo (Unifesp, UFSCar e UFABC).

Já a Paraíba, onde 43% da população vive em condições de pobreza, recebeu milhares de estudantes do vizinho Pernambuco, cuja educação básica pública é uma das melhores do País. Mas só 469 paraibanos conseguira­m vagas fora do Estado. No curso de Medicina, o mais concorrido, também só dá paulistas. Dos 2.262 futuros médicos que saíram de seus Estados, 508 eram de São Paulo (22%), a maior quantidade.

É bom lembrar que, antes da mudança no Enem, apenas 1,5% do calouros se matriculav­am em universida­des de outros Estados. O número atual é seis

Ano a ano, quem ganha muito com o exame como forma de seleção são estudantes de SP

vezes maior. Mas, em 2010, a mobilidade era de 25%.

Ano a ano, o sistema foi mostrando que quem ganha muito com o Enem como forma de seleção são os estudantes de São Paulo, o Estado mais rico do País e com as mais conceituad­as universida­des públicas. Além da meritocrac­ia pura e simples – em que os mais bem preparados conseguem as melhores vagas –, o despreparo das instituiçõ­es para receber e manter alunos mais pobres, e ainda que não moram na cidade, pode ajudar a explicar esse resultado.

Programas de assistênci­a estudantil, que oferecem moradia, transporte, alimentaçã­o, inclusão digital e apoio pedagógico, não existem para todos. Os investimen­tos do MEC para a área cresceram desde 2009, mas estacionar­am. E o número de alunos de baixa renda nas federais só aumenta – tanto por causa do novo Enem como pelas políticas de cotas raciais e sociais dos últimos anos. Se o próximo governo quiser mudar o irrisório índice de 16% de cidadãos de 25 a 34 anos formados em ensino superior, é preciso se preocupar não só em como os estudantes vão conseguir uma vaga na universida­de, mas também em como mantê-los por lá.

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